Estas fotos de Sarkozy entrando no palais de l’Elysée de bermudas, vindo do seu jogging, um dia depois de sua posse na presidência, sugerem inevitávelmente ao leitor brasileiro a lembrança delle. Nos dias seguintes, o espalhafato em torno de Sarkozy, de sua família e de suas corridinhas em outros paradeiros presidencias pareceu confirmar o paralelo com elle. Decerto, Sarkozy entretem comportamentos de maquinação midiática que -, de John Kennedy (os vestidos chics de sua mulher, os passeios de veleiros em Cape Cod, a foto com o filho pequeno debaixo da escrivaninha) a Collor -, incorporaram-se ao exercício do poder contemporâneo. Aliás, nem tão contemporâneo assim. Quem conhece, mesmo sem ter lido, o assunto das Mémoires de Saint-Simon sobre a corte de Luís XIV (8 grossos volumes em papel bíblia da coleção La Pléiade, da Gallimard!), ou viu o magnífico documentário de Rosselini sobre a tomada do poder por Luís XIV, sabe que o espetáculo do poder é consubstancial ao exercício do poder.
Não obstante, o projeto de Sarkozy vai bem além das aparências modernosas e se inscreve no longo prazo.
Não obstante, o projeto de Sarkozy vai bem além das aparências modernosas e se inscreve no longo prazo.
De imediato, assinalo algumas tacadas dele que viraram o jogo pesadamente em seu favor e destabilizam o PS e a esquerda às vésperas da campanha para as Legislativas. A evocação da Resistência, e de um resistente comunista de 17 anos, Guy Môquet, fuzilado pelos nazistas em 1941; a viagem rápida a Berlim para encontrar Angela Merckel e tentar relançar a União Européia; as seis mulheres dirigindo ministérios importantes e outra ainda num ministério secundário; a principal, Rachida Dati, juíza e nova ministra da Justiça, é filha de um pedreiro marroquino e de uma argelina; a nomeação de Bernard Kouchner no ministério das Relações Exteriores e a adesão de outras personalidades socialistas ao governo. Falei um pouco disso no meu comentário semanal no UOL News e voltarei ao assunto.
4 comentários:
Caro prof. Alencastro,
por certo, o Poder sempre precisou de espetáculo - seja em Versalhes, na Casa Branca ou no lago Paranoá. Mas o republicanismo histórico pressupôs uma certa austeridade pública, a despeito dos holofotes, não? No caso francês, basta lembrar as cenas de De Gaulle na volta a Paris depois da Segunda Guerra, alto e magro, desfilando à pé na grande Avenida, os dois braços semi-levantados, saudando contidamente a multidão. Há ali uma "grandeur" que dignifica a sua presença pública. "Austeridade", "contidamente", "dignifica", "grandeur". Temo parecer ridículo ao usar essas expressões numa era em que a regra é a "evasão de privacidade" (Ziraldo, em Bundas, criticando o exibicionismo assumido pelas pessoas em Caras). Mas parece que vivemos uma crise e, como no nazismo (que usou e abusou do recurso), a política "tradicional" fica impotente diante do que vem por aí. Elle sempre soube disso.
O Sarkozy está seguindo a cartilha do Lula, mas com sinais invertidos, ou seja, roubando as bandeiras da oposição para desarticulá-la. Da mesma forma que Lula empunhou a bandeira da estabilidade monetária, Sarkozy nomeou mulheres e ao que parece vai empunhar a bandeira verde. É assim que se faz...
Pelo que entendi, parte da esquerda está aderindo a um governo supostamente de direita. Se isso acontece na França, é cada vez mais pertinente colocar sob suspeita as noções de esquerda e direita. Mesmo na teoria, há pouca clareza de quem é quem. Na prática, então...
They are the same, all over the world...
Postar um comentário