Já falei da mudança ocorrida recentemente, quando o número de emigrantes, pela primeira em vez em nossa história, sobrepujou o número de imigrantes. A questão da emigração tem sido pouco discutida. Os bancos e os "cabeças de planilha" (a expressão é de Luís Nassif) falam com água na boca dos bilhões dólares que os emigrantes mandam para o Brasil. Mas pouco se lhes dá que muitos brasileiros estejam se estrepando nas quatro partes do mundo. Ao final de muito tempo, o Itamaraty construiu um sítio decente sobre o tema. E durante algumas semanas, no começo de 2006, a novela América, da Globo, pôs a emigração em pauta. Porém, a televisão brasileira é basicamente burra. Graciliano Ramos e Luiz Gonzaga plantaram os migrantes nordestinos no coração da tragédia social brasileira. Mas todos os capítulos de América só serviram para dar uma efêmera notoriedade a atores globais. O drama humano da emigração para os EUA sumiu por detrás dos cabelos de Deborah Secco.
Ao fim e ao cabo, o assunto tem sido tratado com descaso. Basta ver a total ausência de comentários nos jornais nacionais a respeito do debate criado pela nova lei de imigração nos EUA, onde há mais de 1 milhão de emigrantes brasileiros. Em boa parte clandestinos, tais emigrantes serão atingidos pela nova legislação. Numa das raras tomadas de posição de políticos brasileiros, o governador Aécio Neves, em viagem a Boston no mês da abril, afirmou sua preocupação sobre o assunto: "O que eu posso fazer é criar condições para que a vinda para os Estados Unidos não seja a última, a única alternativa para uma parcela importante de mineiros".
Sondagem do Herald Tribune mostra que, entre os habitantes dos países desenvolvidos, os americanos são os mais numerosos a achar que seu país ainda precisa de mais imigrantes (o dado não está no artigo do link, mais sucinto que o do jornal impresso). Esta é uma das chaves do problema nos EUA e alhures. Muitos empresários e muitas famílias americanas aproveitam-se da mão-de-obra barata estrangeira e, mais ainda, dos clandestinos.
Há brasileiros que só abrem os olhos para a situação dos emigrantes quando, em viagem de turismo, esbarram com seus compatriotas em dificuldades. Na realidade, os emigrantes despreparados pela incúria de nossos governos desmascaram a fachada lisonjeira que a classe média e alta brasileira carrega consigo quando viaja no exterior. Mesmo no Brasil o mal-entendido é evidente. Veja-se este diálogo sobre a emigração que catei num chat brasileiro (os nomes são fictícios):
Pafúncio: "Quem limpa chão de supermercado no Brasil, não me consta que morra de fome.Tem muito brasileiro preguiçoso aí na América vivendo de golpes e sujando o nome do país no exterior.Ilegal ou não.VC sabe disso".
Pancrácio: "Estou aqui legalmente, nunca precisei limpar prato no BR mas se tivesse limpado, qual o problema? Vou ao BR a cada dois meses e sei muito bem a situação que tudo se encontra por aí. Odeio morar nos EUA mas aqui estou conseguindo relaxar no semáforo e não ficar louco, olhando de um lado pro outro".
P. S. – Hoje, sábado, saiu no Globo Online uma notícia da agência espanhola EFE sobre a discussão das leis de imigração nos EUA. Como o redator da matéria foi um jornalista espanhol, não há, obviamente, nenhuma referência às dezenas de milhares de imigrantes clandestinos brasileiros nos EUA.
4 comentários:
realmente a situaçao é assustadora. eu vi de perto um grupo de emigrantes vivendo em boston, trabalhando70 horas por semana e sem direito nenhum de cidadaos. Ficamvam contentes por acumularem dinheiro e confundiam reconhecimento com poder aquisitivo. acabam comprando um monte de lixo pois nao podem viajar nem investir em imoveis.
Muito triste pois é uma escravidao escolhida, movida pelo capital.
poderia escrever bem mais pois fiquei chocada com o que vi là...e essa nova lei pauta da lei de imigracao e todo o medo que as pessoas passam estando là. incrivelmente assustador.
Salve, professor.
É por estas e por outras que, com todo respeito, eu te amo!
:)
Abraços.
O que me espanta é o quanto disto não passa de ilusões.
É comum que não haja uma vantagem econômica real em morar no exterior, mas apenas o preenchimento de uma aspiração.
O indivíduo muda para os EUA e começa a trabalhar 14 horas por dia e a correr da polícia, coisa que não fazia no Brasil por não precisar, e tem a impressão de que está realizando um sonho seu e de muitos.
E quem pode culpá-los, quem pode dizer que a fantasia é ilegítima?
O máximo que se pode fazer é contar-lhes uma história diferente, na esperança de ela ser ouvida e repetida, para um dia, quem sabe, a "hora da estrela" de tantos brasileiros corajosos e aventureiros não se desperdice no esfregão de um supermercado no Hemisfério Norte.
Prezado Professor Luiz Felipe de Alencastro e caros leitores:
Aproveitando comentário no seu excelente blog sobre o descaso quanto ao tema das migrações no Brasil, gostaria de divulgar o trabalho do nosso NIEM (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios), que há sete anos estuda e divulga o tema das migrações no Brasil e no mundo, mantendo uma lista na internet sobre o tema. A lista, com mais de 700 assinantes em diversos países, divulga notícias, pesquisas, livros lançados e congressos sobre as migrações.
Convido os interessados a visitar nosso arquivo de mensagens em http://br.groups.yahoo.com/group/niem_rj/, onde a lista pode inclusive ser assinada por quem o desejar. Agradecemos também os que nos enviarem mensagens e informações a respeito da situação dos brasileiros no exterior, bem como das migrações de um modo geral.
Saudações a todos,
Helion Póvoa Neto
helion_povoa@yahoo.it
Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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