quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Ségolène e o socialismo pós-nacional


No post sobre Ségolène Royal, escrevi:«trata-se de uma mulher determinada, com convicções firmes, serão convicções socialistas? este é um assunto que abordarei noutra ocasião ».
Depois do lançamento de seu programa de governo, no domingo, dá para dizer o seguinte: Ségolène retoma o projeto tradicional do Partido Socialista e introduz sua visão pessoal da sociedade francesa. Tal é a análise quase unânime dos analistas nos canais de TV e dos principais jornais
franceses e europeus.
Do projeto socialista, ela guardou as propostas de consolidação do Welfare State francês. Frente às ameaças da globalização e a hegemonia do “pensamento único” anti-estatista e neo-liberal, não é pouca coisa. De fato, os direitos sociais que Ségolène quer ampliar (aumento do salário mínimo, de aposentadorias, direito à moradia, reforço dos serviços públicos), foram reduzidos ou eliminados na maioria dos países europeus. Donde, a observação desabusada do Financial Times: “os analistas acham que ela vai continuar os hábitos keynesianos da esquerda francesa, consistindo em lançar impostos e gastos [sociais]”.
Contudo, há outra parte do programa a ser considerada. No plano europeu, ela propõe uma interpretação mais social do Banco Central Europeu (BCE), inscrevendo “objetivos de emprego e de crescimento econômico” nos seus estatutos. No plano nacional, Ségolène – filha de um oficial do exército – insiste em pontos polêmicos: instauração de um serviço cívico para os jovens (não há mais serviço militar na França); centros educativos reforçados, com eventual enquadramento militar, para jovens delinqüentes. Sem excluir uma política mais generosa em relação aos imigrantes (facilidades para naturalização e o voto dos estrangeiros), seu programa prevê a criação de 500.000 empregos subvencionados para os jovens.
Os temas sublinhados são menos contraditórios do que parecem.
Tanto no caso do BCE, como na parte relativa aos serviços públicos, à família e ao civismo, há uma recentragem na preservação dos direitos adquiridos e da a identidade francesa.
Ségolène tira as lições de dois acontecimentos traumáticos. De saída, ela evita o disparate estratégico de Jospin em 2002: no primeiro turno, é preciso ganhar todo o eleitorado de esquerda e, só em seguida, com a presença assegurada no segundo turno, abrir propostas para os centristas. Segolène sabe também que -, desde o maciço “não” francês no referendo de 2005 sobre a Constituição européia (ver
mapa: em vermelho estão assinaladas as regiões que votaram “não) -, o país desconfia da União Européia (UE). Daí suas cutucadas no BCE e sua defesa dos valores da família, da cultura e da nação.
No fundo, sua plataforma configura uma candidatura de esquerda pós-nacionalista. O que é “pós-nacionalismo” francês (palavra que acabo de forjicar)? É a reafirmação dos valores e dos direitos sociais nacionais associada ao contexto do euro e da UE.
Até aqui tudo bem. Resta que, embora sendo boa debatedora, Ségolène é má oradora.
Penso que isso tem a ver com o voto distrital. Fazendo sempre campanha porta a porta, na roça, num distrito ralo de gente, ela nunca precisou botar muita voz nas suas eleições para o Parlamento.
Por isso, vendo Ségolène discursar com sua voz monocórdica e nasalisada, não consigo afastar o mau pressentimento de uma nova derrota da esquerda.

Um comentário:

Na Prática disse...

Professor, não sei se você já viu o blog da eleição francesa da Prospect :
http://www.prospect-magazine.co.uk/blog/franceprofonde

Parece interessante.