domingo, 15 de março de 2009

UMA CONVERSA MUITO SÉRIA

Encontro de Lula e Obama pode reescrever a influência do Brasil na América Latina 

Seis anos depois de ter entrado pela primeira vez na Casa Branca, Lula volta a Washington para se reunir com o novo ocupante da sede do governo americano.
Na primeira vez, em dezembro de 2002, Lula ainda não tinha sido empossado na Presidência, usava um distintivo do PT na lapela e ninguém sabia como ia ser seu início de governo. George W. Bush, há dois anos na Casa Branca, reconfigurava a política externa após o 11 de Setembro. Desprendendo-se da ONU, Washington impunha uma hegemonia solitária sobre o resto do mundo. Num artigo escrito na época, o historiador Paul Kennedy, da Universidade Yale, recapitulava os desafios das superpotências precedentes-da Roma Antiga ao Império Britânico, no século 19- para concluir que nunca existira uma supremacia tão completa como a exercida pelos EUA no começo do século 21. Um termo novo passou a designar esse estatuto inédito: hiperpotência.
Ontem, quando Lula conheceu Obama, o encontro de 2002 com Bush recuou mais no passado: mudou o ocupante da Casa Branca e mudou o mundo. Um termo novo surgiu para definir a atual crise econômica: a "grande recessão".
Afora as incertezas globais, quais são os pontos que aproximam ou separam o Brasil e os Estados Unidos? Na conversa de Obama com Lula havia temas onde existia acordo prévio, como o repúdio ao protecionismo e a luta pela preservação ambiental, tema prioritário na agenda da atual administração americana.
Outros pontos eram controversos, como o etanol. Obama apoia as tarifas sobre a importação de etanol, tendo declarado no Senado, em 2007: "Não faz sentido para nossa segurança nacional e econômica substituir o petróleo importado pelo etanol brasileiro". Contudo, seu ministro da Agricultura, Tom Vilsak, e seu ministro da Energia, Stephen Chu, são contra essa barreira tarifária.
Venezuela e Cuba
Havia ainda na pauta questões delicadas, como as relações entre Washington e Caracas e o fim do embargo comercial a Cuba. A conversa sobre a Venezuela pode ter sido aleatória, dado o lado imprevisível de Hugo Chávez. Ao contrário, a questão cubana poderá ter avançado. De fato, há uma conjuntura favorável, mas faltam intermediários para resolver o contencioso americano com Cuba. Bem mais traumáticas, as relações entre os EUA e o Vietnã foram normalizadas quando John Kerry e John McCain, que lutaram e sofreram no Vietnã, organizaram uma comissão bipartidária no Senado para tratar do assunto. Nada similar existe no caso cubano, e há espaço para a atuação discreta da diplomacia brasileira. Também discretamente, um assunto fora de pauta pode ter sido abordado pelos dois presidentes: Foz do Iguaçu. Na semana passada, um relatório da Rand Corporation afirmou que a pirataria de filmes e DVDs na fronteira comum entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai rende milhões de euros por ano ao Hizbollah, movimento xiita libanês. Cedo ou tarde haverá um arrocho dos países da região no contrabando internacional da tríplice fronteira. Na perspectiva dos próximos encontros, Obama e Lula devem ter preparado a reunião do G-20 em Londres, onde os dois países têm posições comuns em alguns temas.
Outros encontros
Para sair da "grande recessão", Obama pensa que é preciso ampliar os investimentos públicos, criar empregos e socorrer empresas fragilizadas, deixando provisoriamente de lado o problema do déficit público. A União Europeia, principalmente a Alemanha, economia dominante da região, discorda. Nascida e criada na Alemanha Oriental, [a chanceler] Angela Merkel adquiriu alergia ao desequilíbrio orçamentário e às intervenções do poder público na economia, e mais fé na dinâmica do mercado. Obama e Lula, mas também o FMI e os dirigentes da China e do Japão, entre outros, são favoráveis à primeira solução. Note-se que as conversas prosseguirão noutros contextos. Lula estará com Obama em mais duas ou três ocasiões, em abril: na reunião do G-20 em Londres, no dia 2, na Cúpula das Américas em Port of Spain (Trinidad e Tobago), entre 17 e 19, e, possivelmente, no Fórum da Aliança das Civilizações, organizado pela ONU em Istambul [Turquia], em 6 e 7. Muita coisa deverá ser discutida. Os EUA, o Brasil e o planeta atravessam uma crise de grandes proporções cuja saída ainda não apareceu no horizonte. Obama não sabe direito como será o começo de seu governo e Lula não sabe como terminará o dele.

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