sexta-feira, 6 de março de 2009

O MISTÉRIO MADOFF


Na Vanity Fair deste mês, um grande artigo (depois de baixado deu 21 páginas na minha impressora) de Mark Seal sobre Madoff. Tenho lido tudo o que vejo sobre o “Bernie”, interessantíssima história de picaretagem globalizada. Mas o artigo de Seal me deixou frustrado. Primeiro, ele não fala dos possíveis cúmplices. Ora, como disseram muitos entendidos, é difícil aceitar que Madoff tenha sido o único autor desta vigarice. Como acreditar que grandes bancos, banqueiros suíços (os mais malandros do mundo), associações caritativas de grandes financistas, e tantos investidores experimentados, pentelhos com suas contas, com seu tempo livre de aposentados para escarafunchar o quadro das bolsas e dos dividendos, e até investigadores da SEC (por mais incompetentes que fossem), tenham caído numa esparrela armada por um só indivíduo, que durou décadas e, no fundo, parecia uma banal corrente, uma pirâmide, dessas que surgem em Lavrinhas e Itumbiara? Em segundo lugar, Seal embarca na vertente psicologizante, mostrando Madoff como um cara dissimulado, malandro, fdp que explorou a boa fé de viúvas desinformadas e a cupidez de ricos que queriam ficar riquíssimos. O New York Times já tinha ido por aí, num artigo que acabava comparando Madoff a um “serial killer”. Menos, menos... De fato, tais interpretações ignoram que Madoff não ficou apenas engabelando palermas e cobiçosos. No coração de Wall Street, ele foi presidente fundador da NASDAQ (Seal nem fala disso) e pioneiro da introdução da informática nos negócios, tendo sido um dos primeiros a perceber nos anos 90 que se poderia, graças a internet, operar 24 horas por dia nas bolsas do planeta. Ou seja, Madoff é um cara competente, cuja atividade trouxe a Wall Street benefícios concretos e não apenas rendimentos virtuais. O fato de ele ser também um grande vigarista torna mais misterioso seu papel na NASDAQ e sua contribuição ao funcionamento do capitalismo financeiro. Qual a estratégia de longo prazo de Madoff sobre a evolução coordenada de Wall Street e dos seus negócios, que ele tão bem conduziu de 1990 a 2008? Talvez ele tenha partido do princípio de que tudo ia dar certo porque a trapaça e a pilhagem são parte integrante do capitalismo financeiro, da mesma forma que consubstanciaram o capitalismo mercantil no passado. Lembro o epigrama de Goethe em Wilhelm Meister: “Krieg, Handel und Piraterie/ Dreieinig sind sie; nicht su trennen” (“A guerra, o comércio e a pirataria formam uma indivisível trindade”), citado por Sombart em Der Bourgeois (aqui em trad. francesa), quando fustigava as companhias comerciais holandesas que saquearam o planeta, e inclusive o Nordeste, no século XVII.
Em todo caso, jornalistas e especialistas americanos estão nos devendo uma explicação mais coerente e mais ampla do caso Madoff, o retrato de uma época.
P.S. - Confirmando a pregnância da fraude no capitalismo financeiro, o Financial Times do dia 20/03, alerta que muitas outras picaretagens do tipo do Madoff estão sendo descobertas nos EUA e que “centenas” delas poderão ainda vir à tona.
Alguns blogs especializados no caso Madoff:
I'm Bernard Madoff--I'm Telling All. Right Here. Trust Me. - http://bernard-madoff-scam.blogspot.com/
naked capitalism: SEC Skipped Normal Inspection of Madoff Hedge Fund - http://www.nakedcapitalism.com/2008/12/sec-skipped-normal-inspection-of-madoff.html
Madoff Help News & Assistance - http://www.madoff-help.com/
BERNIE MADOFF HOT SAUCE/ INFO. CENTRAL!! - http://texasketchup.blogspot.com/
Bernard Madoff Fraud - http://bernard-madoff-fraud.blogspot.com/

6 comentários:

Anônimo disse...

Off topic, mas o verdadeiro mistério que ronda desde ontem minha cabecinha é: Marco Antonio Villa desaprendeu seu ofício?

Marco Antonio disse...

Pô professor, que sacanagem com Lavrinhas e Itumbiara, rs! Os espertalhões classe média paulistanos tb foram vítimas de pirâmides.Isto foi no ano de 1986. Vi famílias inteiras perderem suas poupanças caindo neste conto do vigário.
Um abraço e continue brindando a todos os seus leitores com seu excelente blog.

Claudia disse...

Felipe,

Os norte-americanos dos EUA não aceitam duas coisas de jeito nenhum, a primeira que alguém possa lhes passar a perna; e segunda que o capitalismo represente alguma coisa que possa causar mal a eles.

Quando alguma coisa dá errado procura-se o culpado e sentencia-se o coitado a morte ou a difamação. Difamação é o que fazem de melhor. Contam mal as histórias, como nenhum outro povo seria capaz.

E os jornalistas americanos, ora, conquistam muitos créditos pois o povo do planeta anda muito tonto e lhes dá ouvidos, e não porque falam o que deve ser dito. Estão há muito deixando a desejar.

Abraço,

Claudia

Unknown disse...

Saudações Professor
Até o Kid Morangueira (o saudoso Moreira da Silva) sabia: Tomar calote, tudo bem, agora passar recibo de otário: nunca.
Perguntinha básica: você daria um tostão para seu corretor aplicar de novo sabendo que o seu rico e suado dinheirinho foi aplicado na Pirâmide do Magdoff?
Quem sabe é por isso que existam tantos fios soltos nessa história!
Saudações
Paulo F.

Marco Antonio disse...

Professor o Madoff "tocou piano" e vai ver o "sol nascer quadrado" e "tomar chá de canequinha"!
Azar dele que ele não tem um Gilmar Mendes como defensor.

Anônimo disse...

Professor,

Madoff é parte da ideologia e do modelo do capitalismo monetarista atual. Ganhos financeiros representavam, em meados da década, 40% do lucro das grandes corporações, em média, ou seja, para muitas a extração de mais valia direta era secundária; de fato, essa extração dá trabalho e pouco resultado, o quente virou pilotar fluxos financeiros e extraí-la de toda sociedade. É um incômodo ideológico para grande imprensa investigar Madoff, melhor é apresentá-lo como picareta.

Fora dos jornalões há americanos que desvendaram Madoff. Eles até previram o que ia acontecer. Aqui abaixo trechos de dois deles:

Bernard Madoff: Vigarista da Wall Street desfere golpe a favor da justiça social
por James Petras
A burla de Madoff e a sua actividade fraudulenta não são consequência de um fracasso moral pessoal. São produto de um imperativo sistémico e da cultura económica, que enforma os círculos mais altos da nossa estrutura de classes. A economia do papel, os hedge funds e os 'sofisticados instrumentos financeiros' são todos eles 'esquemas Ponzi' – não estão baseados na produção e venda de bens e serviços. São apostas financeiras no crescimento futuro do papel financeiro, baseadas em garantir futuros compradores para satisfazer compromissos contraídos.

Leia o restante em http://resistir.info/petras/petras_19dez08_p.html

O paradigma de Ponzi
por Michael Hudson [*]

Na semana passada o Bom Deus, evidentemente, percebeu que um número insuficiente de pessoas lera a explicação de Hyman Minsky de como os ciclos financeiros acabam em esquemas de Ponzi – a etapa em que os bancos mantêm o boom em andamento emprestando aos seus clientes o dinheiro para pagar juros e assim evitar o incumprimento. Assim, Ele enviou Bernie Madoff para ocupar os noticiários durante uma semana e dar aos mass media oportunidade para informar os leitores de jornais e visionadores de TV como funcionam os esquemas de Ponzi. O que sr. Madoff fez, em resumo, foi o que a economia como um todo tem estado da fazer sob o nome de "criação de riqueza".
Leia o restante em http://resistir.info/crise/hudson_23dez08.html

A página de Hudson é esta http://www.michael-hudson.com/

Há também uma divertida explicação de John Bird e John Fortune
http://www.youtube.com/watch?v=9GdAR1gCaqI

O neoliberalismo virou piada, uma tragicomédia de humor tenebroso.