sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Todos iguais?

Coisa curiosa no Brasil é a aversão a considerar o embate político sob o prisma de um confronto entre esquerda e direita. Entre uma política propícia aos assalariados e ao serviço público, e uma política favorável aos mais ricos e à pauleira do mercado. Para começar, ninguém, nem o mais pertinaz reacionário, nem um autêntico filhote da ditadura, admite ser de direita. Em seguida, paira um consenso de que a direita e a esquerda são uma coisa só. Deste ponto de vista, os governos de FHC e Lula seriam mesmamente equivalentes (não se entende então porque Serra e Alckmin, candidatos de FHC, perderam por quase 20 milhões de votos as presidencias de 2002 e 2006). Na campanha do plebiscito de 1993 sobre « forma e sistema de governo » (armação constitucional tucana que, com o tempo, parece cada vez mais grotesca: dá para entender que a monarquia tenha sido tomada a sério no Brasil no final do século XX?), um cientista político da USP, defensor do parlamentarismo, pretendia que um dos males do presidencialismo era justamente a despolitização. E apontava as campanhas presidencias americanas como o exemplo supremo da indiferenciação política e de mesmice ideológica.

Pois bem, como observaram muitos analistas, no programa orçamentário apresentado anteontem, Obama demarcou dois campos políticos, duas políticas econômicas, duas políticas fiscais, duas opções sociais:

"[F]or far too long, the resilience, optimism, and industriousness of the American people have been frustrated by irresponsible policy choices in Washington," "Prudent investments in education, clean energy, health care, and infrastructure were sacrificed for huge tax cuts for the wealthy and well-connected. In the face of these trade-offs, Washington has ignored the squeeze on middle-class families that is making it harder for them to get ahead. Our Government has spent taxpayer money without making sure the numbers add up and without making it clear and understandable to the American people where their money was being spent. Tough choices have been avoided, and we have failed to make the wise investments we need to compete in a global, information-age economy....

"This is the legacy that we inherit — a legacy of mismanagement and misplaced priorities, of missed opportunities and of deep, structural problems ignored for too long. It’s a legacy of irresponsibility, and it is our duty to change it."

No New York Times, um longo artigo mostra como a política econômica e social de Obama é radicalmente diferente do governo Bush, e acrescento eu, do governo Bill Clinton. Em Paris, a manchete da edição impressa do Le Monde de hoje (datado de amanhã), é « Obama apresenta um orçamento de esquerda »

8 comentários:

Anônimo disse...

Professor Alencastro,

É que, no Brasil, "pega mal" você se assumir "de direita"...

A respeito da política econômica e social traçada por Obama, de fato, há mudanças significativas quanto à estratégia de investimentos (desde a educação até o controle de poluentes emitidos pelas indústrias). Com a crise, mesmo a tentativa de deslocar boa parte do orçamento para socorro aos grandes de Wall Street (por meio da tal "parceria público-privada" de que fala Ben Bernanke) me parece uma postura bastante diferente e polêmica: afinal, a grande compra de ações ordinárias pelo governo, para muitos republicanos, soa como tentativa de "estatização".

Sobre o "programa Geithner-Obama", que encabeça a tentativa do governo de injetar dinheiro para evitar que os bancos quebrem, aliás, Paul Krugman justifica um profundo ceticismo ("And the result will probably be a deeper, long-lasting crisis").



Abraços.

Raphael Neves disse...

É mesmo engraço ninguém no Brasil se assumir de direita ou conservador. Ao contrário, lembro que na campanha presidencial, questionavam se o McCain era suficientemente conservador para ser o candidato republicano...

Anônimo disse...

Aprecio muito o nivel de seu blog e seu posicionamento político e acadêmico. Sugiro, contudo, q haja sempre a tradução qdo cita trechos em outras línguas, pois, como vc deve muito bem saber, nem todos os brasileiros dominam o inglês, por n motivos q não cabem aqui discuti-los.

Anônimo disse...

Concordo com o teor do artigo.

Mas há que se dizer que, enquanto Obama marca posição à esquerda desde o primeiro mês de governo, Lula reluta em fazê-lo ainda no 7º ano de mandato.

Há muito mais continuidade entre FHC e Lula do que entre Obama e Bush ou Clinton.

Há direita e esquerda no Brasil, sim. Mas nossa vocação para a contemporização política é extremamente forte e paralisante.

Vejo o "homem cordial" de Sérgio Buarque de Holanda como uma estrutura de longa duração.

Basta pensar como lidamos com a transição de uma sociedade escravista para uma sociedade industrial moderna. Já vamos a 200 anos de independência e ainda não conseguimos completar o processo, a julgar pelo status dos trabalhadores domésticos e dos trabalhadores rurais na nossa economia e no nosso estatuto jurídico...

Anônimo disse...

Cada vez mais me surpreendo com as baboseiras escritas aqui. O Brasileiro é conservador, no sentido americano então... Votou contra a proibição da armas e votaria a favor da pena de morte. Mas espera aí... Votou no Lula que é esquerda?
Quem é a direita brasileira? Aquela que sempre foi: Sarneys e Barbalhos, que hoje são o PMDB da base lulística...

Carlinhos Medeiros disse...

Salve, professor! Estou de volta após tanto tempo navegando em outras marés.
Sobre a polêmica dos boxeadores cubanos, viu? Eu tinha razão.
Abraços!

Vendedor de Bananas disse...

esse argumento raso do "fim da história" parece ter dominado muitos "corações e mentes" aqui e alhures.
Anônimo:
o Sarney é da base do governo não é indicado do governo; atente para essa diferença.
Saudações Socialistas

Claudia disse...

Felipe,

Acho que a denominação esquerda direita é artificial mesmo e difícil de ser encarada de frente nos dias de hoje, não apenas no Brasil. Mas eu acredito que no Brasil, por causa dos anos de autoritarismo militares, a direita teme ser vista como anti-democrática. Acho que a democracia é referência importante nessa análise. A direita ainda está impregnada da imagem de grupo não democrático, ninguém quer fazer parte, por bom motivo.

Quanto ao Obama, bem o sujeito apenas começou e o buraco fica mais adiante. Manter as sanções contra o Zimbabwe foi a meu ver uma cagada logo de saída com a África. Vamos combinar que sanções esconômicas contra a Africa a essa altura do campeonato é a maior maldade que alguém pode fazer, vai além do absurdo. E é isso o que o diferencia do Clinton que durante seus 8 anos não sancionou nada contra a Indonésia, sustentando o Suharto que fez o que fez contra o Timor Leste.

Enfim, o mundo gira e a lusitana roda. A coisa está apenas começando.

Claudia