Crianças colombianas mobilizadas na 'Guerra de los mil dias" (1899-1902)
O Estadão me convidou no começo da semana para escrever, para o caderno dominical Aliás, um artigo sobre as Farc e as tensões regionais geradas pelo ataque colombiano em solo equatoriano. Como a crise evoluía muito rapidamente, passei a semana coletando material. Mas só comecei a redigir o texto na sexta-feira de manhã (o deadline do jornal era às 18 horas, horário brasileiro): esperava não ser surpreendido por nenhuma novidade que desmontasse os argumentos desenvolvidos no texto.
Zapeando no meio da semana, vi na TV a cena em que Chávez decretava a mobilização de suas tropas. De camisa vermelha, falando no meio da multidão para um ministro da guerra parecido com aquele gordinho de óculos do programa Chaves, da SBT, Chávez, o outro, ordenava com voz tonitruante:“que se mande diez regimientos, que se despliegue la aviación militar!”. Entre um pistache e outro, pensei: «ou o cara ficou doido ou está brincando». Doido, Chávez não é: nunca interrompeu as exportações de petróleo venezuelano para os Estados Unidos. Por isso, comecei a redigir o artigo num enfoque de longo prazo que excluía a iminência de um conflito armado envolvendo a Colômbia, a Venezuela e o Equador. O fato de que Chávez, Uribe e Correa não tivessem desmarcado sua presença na reunião do Grupo do Rio em Santo Domingo, confirmava esta impressão. Mas o tom de muitos sítios de informação era:«There will be blood!». No final do dia, sexta-feira à noite, veio a notícia e as imagens: Chavez, Uribe e Correa estavam se abraçando em Santo Domingo. Tant mieux! Mas a imprensa brasileira traz hoje artigos que começaram a ser impressos antes do final da crise, imaginando que a guerra iria rebentar de uma hora para outra. Veja-se a capa da Veja.
A certa altura escrevi que a guerra com as Farc é o conflito mais antigo do mundo. O raciocínio teria ficado mais completo se tivesse inserido a frase que agora vai em itálico (incluo também a referência do estudo em que me baseio):
«Estudos especializados registraram um total de 229 conflitos armados em 148 países entre 1946 e 2003. No meio tempo, a grande maioria destas guerras cessou. Assim, excluídos os conflitos inter-étnicos oriundos de partições territoriais estabelecidas após 1945 (Palestina, Território Karen na Mianmar-Birmânia, Cachemira na Índia), a guerra do governo colombiano com as Farc, cujos combates começaram em 1966, configura o mais antigo dos conflitos mundiais[1].Considerando-se que tal fato ocorre num país independente desde 1819, a guerra civil colombiana apresenta-se como um caso único na história do mundo contemporâneo ». O artigo completo está aqui.
[1]. Mikael Eriksson e Peter Wallensteen, « Armed Conflict 1989-2003 », Journal of Peace Research, v. 41 (5), 2004, pp. 625-636.
Zapeando no meio da semana, vi na TV a cena em que Chávez decretava a mobilização de suas tropas. De camisa vermelha, falando no meio da multidão para um ministro da guerra parecido com aquele gordinho de óculos do programa Chaves, da SBT, Chávez, o outro, ordenava com voz tonitruante:“que se mande diez regimientos, que se despliegue la aviación militar!”. Entre um pistache e outro, pensei: «ou o cara ficou doido ou está brincando». Doido, Chávez não é: nunca interrompeu as exportações de petróleo venezuelano para os Estados Unidos. Por isso, comecei a redigir o artigo num enfoque de longo prazo que excluía a iminência de um conflito armado envolvendo a Colômbia, a Venezuela e o Equador. O fato de que Chávez, Uribe e Correa não tivessem desmarcado sua presença na reunião do Grupo do Rio em Santo Domingo, confirmava esta impressão. Mas o tom de muitos sítios de informação era:«There will be blood!». No final do dia, sexta-feira à noite, veio a notícia e as imagens: Chavez, Uribe e Correa estavam se abraçando em Santo Domingo. Tant mieux! Mas a imprensa brasileira traz hoje artigos que começaram a ser impressos antes do final da crise, imaginando que a guerra iria rebentar de uma hora para outra. Veja-se a capa da Veja.
A certa altura escrevi que a guerra com as Farc é o conflito mais antigo do mundo. O raciocínio teria ficado mais completo se tivesse inserido a frase que agora vai em itálico (incluo também a referência do estudo em que me baseio):
«Estudos especializados registraram um total de 229 conflitos armados em 148 países entre 1946 e 2003. No meio tempo, a grande maioria destas guerras cessou. Assim, excluídos os conflitos inter-étnicos oriundos de partições territoriais estabelecidas após 1945 (Palestina, Território Karen na Mianmar-Birmânia, Cachemira na Índia), a guerra do governo colombiano com as Farc, cujos combates começaram em 1966, configura o mais antigo dos conflitos mundiais[1].Considerando-se que tal fato ocorre num país independente desde 1819, a guerra civil colombiana apresenta-se como um caso único na história do mundo contemporâneo ». O artigo completo está aqui.
[1]. Mikael Eriksson e Peter Wallensteen, « Armed Conflict 1989-2003 », Journal of Peace Research, v. 41 (5), 2004, pp. 625-636.
5 comentários:
Oi, Luiz Felipe
Que bacana, teu blog. Passeei rapidamente por alguns de teus artigos, especialmente aqueles que tratam das paredes de Paris, gostei demais. Tão observador, você.
Obrigada,
Maranúbia
(Londrina - PR)
Olá.
Gostei do artigo porque é o primeiro de algum comentarista mais à esquerda que não inverte as opções, ou seja, condena o papel desestabilizador das FARC, em vez de contabilizar todos os problemas ao governo colombiano.
Mas há um trecho que não me parece ser a única interpretação possível: "O bombardeio teria sido precipitado para fazer abortar a libertação iminente de Ingrid Betancourt sob os auspícios de Chávez". Esta libertação era iminente segundo quem? As FARC? As mesmas que afirmavam que tinha aquele menino e depois se revelou que mentiam? Creio ser de bom alvitre ficarmos com três pés atrás em relação aos nobres seqüestradores das selvas. De qualquer forma, há a forte possibilidade que o ato de Uribe tenha tido o simples intento duplo de avisar que não negocia e ponto, e que não tolerará as intromissões dos governos vizinhos. Afinal, se a "betancurização" incomoda a população colombiana, melhor seria que ela fosse libertada logo, para as FARC sentirem a pressão de liberarem mais gente, o que, obviamente, interessa ao governo colombiano, já que, quanto mais gente for libertada, mas fraca fica a guerrilha. Da mesma forma, a manutenção dela em cativeiro só prolongaria a angústia e a centralidade da questão, o que continua a reforçar o papel de agentes externo, algo que visivelmente (e corretamente) irrita Bogotá. O melhor seria, então, deixar Betancourt sair do cativeiro, ficar sob os holofotes enquanto o governo continuasse com sua ofensiva (se uma refém tão importante foi libertada sem nenhum condicionante ou alteração da estratégia governamental, qual o sentido do governo alterar sua posição?). Assim sendo, me parece que Uribe optou pelo mais certo e imediato, em vez da possibilidade exposta no artigo.
Um abraço.
Caro Professor Alencastro,
Seu artigo é uma aula de história e de jornalismo que tem compromisso com a verdade factual, como poucos na terrinha. Parabéns.
Com relação a Veja e os “Colonistas” (copyright PHA) da mídia nativa, mistura de jornalismo de esgoto, pior que o estilo Olavo de Carvalho, terrorismo ala FoxNews e como bem analisou o Gilson Caroni Filho: Crise e canto de sereia na América Latina, Carta Maior.
Como o novo hit-hop de sucesso na novela triller que rompe milhares de blog no Brasil e no mundo, o Dossiê Veja, de Luiz Nassif, deixa a grande mídia surda e muda, como escreveu Mino carta: “Neste sentido, a mídia nativa, rosto tradicional do poder, continua empenhada na permanência das coisas como estão para ver como ficam”.
Sds,
JSB
Apenas uma correção: O presidente colombiano de 1988 a 2002 foi Andrés Pastrana, e não 'Misael' Pastrana.
Professor,
1. na segunda metade dos anos 80 as FARC e o M19 criaram a União Patriótica, braço parlamentar e tentativa de institucionalização do grupo. O que sucedeu foi um massacre de mais de 3500 militantes.
2. Uribe foi eleito com o apoio do nacotráfico, assim como Samper anteriormente. As referências às relações entre sua família e Pablo Escobar, por exemplo, são públicas e notórias.
Abraços,
Sérgio
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