terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Sobre maio 1968

Walton Ford The Sensorium, 2003, Cortesia da Paul Kasmin Gallery

Já escrevi e falei sobre o movimento de maio de 1968. Como disse na entrevista a Ricardo Musse publicada pela Folha em 1998, eu estava em Paris e entendi tudo errado (há uma gralha no texto da reportagem: eu cheguei na França em 1966 e não em 1996). Também já disse aqui mesmo, no ano passado, que tô fora do narcisismo geracional meia-oiteiro.
Há duas semanas, o jornalista Amauri Barnabe Segalla, da revista Época, pediu-me uma entrevista sobre 1968. A reportagem saída agora na
revista cortou minhas respostas, aumentando a confusão entre o sentido das manifestações do 1968 brasileiro, onde havia a ditadura, e o sentido dos movimentos de 1968 dos EUA e da Europa Ocidental.
Por isso, retomo aqui o texto integral de minha entrevista à Época

- Que legado os movimentos de 1968 deixaram para o mundo de hoje?

R. O historiador Fernand Braudel fala do período histórico chamado “longo século XVI”, cujas mudanças começam antes de 1500 e terminam bem mais tarde, em meados do século XVII. Penso que que há também um “longo 1968” que começa antes de 1968 nos Estados Unidos com as primeiras manifestações contra a guerra do Vietnã e com o Black Power, com as manifestações estudantís lideradas por Rudi Dutschke na Alemanha, e a Internacional Situacionista de Guy Debord, na França. Da mesma forma, as consequências políticas e culturais do movimento de 1968 adentram pelas décadas de 1970 e 1980.

-Há quem diga que as principais mudanças não aconteceram nas ruas, mas dentro de casa, nos valores. A vida social tornou-se mais tolerante. Por exemplo: a divisão de papéis entre homens e mulheres foi recalculada. Os pais perderam a autoridade sobre os filhos. Você concorda que a única herança é de caráter social?

R. – É verdade que as mudanças culturais foram importantes. Mas as mudanças políticas também foram. Nos Estados Unidos, a guerra do Vietnã terminou em 1975 (mesmo se o país retomou guerras de agressão mais tarde), o regime de quase apartheid que mantinha os negros americanos numa situação de infra-cidadania foi desmantelado. Agora até Bush venera Martin Luther King. Na Alemanha, o Partido Verde é herdeiro direto do movimento dos sixties. O tema da ecologia tornou-se uma reinvidicação universal e agora é encampado pela ONU e o direito internacional.

Como seria o mundo hoje se a juventude, e não a repressão, tivesse vencido?-

R. Na França não houve repressão propriamente dita. Apesar das batalhas de rua do mês de maio, a polícia nunca atirou nos estudantes. Como noutros lugares, o movimento lançava reinvidicações e protestos, mas não planejava tomar o poder ou transformar-se em governo porque sabia que era minoritário eleitoralmente. Na América Latina era diferente porque havia ditaduras em toda a parte. No México, houve em outubro de 1968 o “massacre de Tlatelolco” onde mais de 300 estudantes e manifestantes foram assassinados pelo Exército. Isso relativizou as coisas e escancarou a truculência da direita latino-americana.

- Afinal, 1968 transformou o mundo?

R. Acho que as correntes políticas e culturais desta época mudaram as sociedades contemporâneas. Todas as manifestações anti-autoritárias de massa dos anos seguintes - no Chile em 1973, em Portugal em 1974, no Brasil em 1984 (as Diretas Já!), na China em 1989 – filiam-se ao movimento de 1968.

Por que hoje nenhum movimento é capaz de mobilizar os jovens como antigamente?

R. Não é bem assim. Na Sorbonne, em Paris, na França, sempre há manifestações estudantís e sindicais. Faz parte da cultura política do país. Há no mundo todo um sentimento pacifista que também saiu de 1968. Na Inglaterra e na Espanha houve nos últimos anos manifestações de massa importantes, contra a invasão do Iraque, que acabaram por derrubar Tony Blair e Aznar.

2 comentários:

Anônimo disse...

até que enfim professor. Estava com saudade de seus textos.

Anônimo disse...

VEJA VC LUIS FELIPE,NADA COMO ESCLARECER.O ENTREVISTADO E O ENTREVISTADOR TEEM UMA RELAÇÃO UM POUCO COMPLICADA, O SEGUNDO PORQUE TEM OS CORTES O QUE ACABA POR MUDAR TOTALMENTE O SENTIDO DO QUE SE DISSE E O PRIMEIRO,QUE COM RAZÃO FICA NUMA SITUAÇÃO D´FÍCIL ,POIS NÃO É SEMPRE QUE DÁ PRÁ REPARAR,NÃO É MESMO?E ESTE PROBLEMA É MEIO MILENAR ,VC NÃO ACHA?
ABRAÇOS