domingo, 5 de agosto de 2007

Fidel, o Itamaraty e os boxeadores cubanos

Guillermo Rigondeaux, arquivo Folha de São Paulo

O Itamaraty e o governo brasileiro decidiram deportar os dois boxeadores cubanos. Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara desertaram do Pan no Rio. Segundo um delegado da PF, eles queriam voltar para casa e recusaram o estatuto de refugiados políticos. Num texto publicado em Havana, Fidel anunciou que não punirá Rigondeaux e Lara.
Nos países democráticos há um princípio jurídico básico na matéria. Nenhum suspeito, e nem mesmo um criminoso julgado à revelia no seu país de origem, pode ser extraditado para este país, se a pena ali aplicada for maior que a pena prevista no país ao qual foi solicitada a extradição. Na União Européia, onde não há pena de morte, o problema já ocorreu várias vezes com estados dos EUA que admitem a pena capital. No caso, a UE só admite a extradição de foragidos dos EUA quando os promotores americanos comprometem-se a não requerer a pena máxima.
É certo -, como bem observam João Batista e o Moço da Bodega em comentário à primeira versão mal redigida deste post -, que os cubanos foram deportados porque estavam no Brasil sem documentos, e não extraditados, prática reservada a criminosos. Ainda assim, considerando que o regime cubano costuma cair de pau nos que tentam emigrar ilegalmente e nas suas famílias, a deportação representava um risco para Rigondeaux e Lara. Pra que essa pressa toda para mandar os caras embora? Vivi no exterior no meio de gente sem documentos na época da ditadura brasileira. Quando estão neste sufoco as pessoas se desesperam, perdem o pé. O estatuto de refugiado tem vários constrangimentos. Antes de entrar numa dessas, é preciso refletir, sem pressões de prazos e da polícia local.
No caso de Rigondeaux e Lara, por analogia, deveria ser observado o princípio jurídico explicitado acima a respeito da extradição.
De fato, nos aeroportos de nosso país desembarcam regularmente brasileiros deportados dos EUA e da UE por delito de ausência de visto ou de passaporte. Aqui chegados, eles pegam a mala e vão para casa: nenhuma lei brasileira pune a emigração ilegal se não houver falsificação de documentos. Em Cuba não é assim.
O Ministério Público Federal havia pedido a abertura de inquérito e queria ouvir os dois atletas antes de autorizar a deportação. O mínimo que se espera agora é que as autoridades brasileiras tenham obtido o engajamento formal do governo cubano de que não haverá perseguição aos atletas e à suas famílias. E que a embaixada brasileira em Havana siga o assunto de perto.
(Post modificado em 6/08).

9 comentários:

Anônimo disse...

1- Inicialmente, parabén pelo blog, interessanet de se ler (pena que ultimamente tem havido poucos postagens...)
2- Nesta postagem o senhor fez uma rande confusão, uma verdadeira "salada" envolvendo conceitos diversos: extradição, expulsão e deportação.
Pelo que sei pela imprensa os cubanos serão deportados (e não extraditados, pois não cometeram ato tipificado como crime em Cuba e no Brasil), por não preencherem os requisitos legais para a permanência em solo pátrio.
Nada impede a deportação para países que, por exemplo, tenham a pena de morte, até porque, como dito, deportação nem implica em prática de crime...
João Batista

Na Prática disse...

Professor Alencastro, foi um grande alívio ver pelo menos um intelectual de esquerda brasileiro se posicionando claramente nessa questão. Esse "voluntariamente" dos boxeadores que querem voltar provavelmente quer dizer "porque senão minha família se ferra".

A complacência de meus colegas de esquerda com o regime cubano me parece absolutamente revoltante.

Anônimo disse...

Salve, Professor.
Tava sentindo falta dos artigos que adoro comentar.

Bom, que eu e minha santa ignorância nordestina saibam, não houve extradição pois não havia queixa-crime. Eles estavam sumidos, poderiam ter sidos raptados, aliciados, enfim...

Se arrependeram, contaram o que se passou sobre a tentativa de mais uma nova "Operação Peter Pan", e estão voltando para casa. Claro que não haverá paredon para eles, pois não houve crime como quer a mídia lodacenta brasileira.

Sua bênção.

CFagundes disse...

Parabéns pelo blog, prof.
Gostei da capivara, é um bichão simpático. Ví uma ao vivo pela primeira vez na lagoa Rodrigo de Freitas aqui no Rio, neste ambiente supra-urbano, por incrível que pareça. Cheguei perto demais e ela (ou ele) levou meu celular...

O engraçado dessa coisa toda dos cubanos é que o MP federal abriu inquerito para averiguar se os atletas foram "aliciados". Não consideraram a hipótese de os atletas terem pernas próprias e uma vontade de viver melhor. Segundo o G1, os atletas estavam arrependidos. Se eu fosse pego também estaria.
O que mais parece é que o Fidel "aliciou" o MRE, que "aliciou" o MPF.

Fidel disse que "Cuba [] sofre muito mais que os outros países as mordidas das piranhas", e alguém aqui de dentro nos faz acreditar que o Brasil é um brejo cheio de piranhas. Pode até ser verdade, na Avenida Alântica e no Itamaraty, mas outra verdade é que a diplomacia brasileira adora ser "aliciada". Sempre foi assim. O governo é das esquerdas agora, mas a bichonette (local onde os diplomatas brasileiros se "aliciam", entre um cafezinho e outro) continua lá.
abraço.

CFagundes disse...

Meu comentário foi censurado?!
Foi por causa da "bichonette"?
Parece até coisa do Fidel...

Unknown disse...

Fidel bem q poderia acabar com essa nóia de controlar todos os passos de seus conterrâneos. Pq isso?! Só faz aumentar, na minha opinião, o desejo - legítimo - dos cubanos de fugirem do país, é aquela estória de que gostarmos mais do que é proibido...

Anônimo disse...

O que conta é que os dois fugitivos políticos foram devolvidos em menos de 72 horas para a ditadura de origem.

É uma perfomance, um recorde que nem mesmo na prisão do maior traficante do mundo, o colombiano Juan Carlos Ramires Abadía, com 300 assassinatos nas costas, será batido.

Por outro lado,não há no Basil lei que proíba fugir de Cuba ou de qualquer outra ditadura. Os pugilistas estavam em situação regular no país:

"Sobre a prisão ilegal dos dois atletas que estavam com a documentação em ordem, o procurador regional da República Artur Gueiros estranhou a detenção e sua imediata deportação. Autor de uma tese de doutorado sobre presos estrangeiros no Brasil, Gueiros disse que, se os esportistas estavam com o visto de permanência regularizado e não cometeram qualquer ilegalidade no país, teriam direito de permanecer no Brasil até o prazo concedido (de 90 dias), como prevê o Estatuto dos Estrangeiros (Lei 6.815/80)."

Anônimo disse...

Concordando com a sua posição, acrescento que a lei brasileira (Estatuto do estrangeiro) impede expressamente o que ela denomina de extradição dissimulada, isto é, a deportação ou expulsão de estrangeiro assemelhadas a extradição inadmitida pela lei brasileira. No caso, como extradição por fato que não seja crime no Brasil (ou no país de origem) não é possível, não poderia haver a deportação (ao menos não para Cuba). Pela mesma razão (extradição vedada para Inglaterra, por falta de tratado), Ronald Biggs não foi deportado do Brasil na época em que para cá fugiu. Saudações.

Vera Pereira disse...

A essa altura, o professor já deve ter lido a nota do presidente da OAB-RJ que conversou com os cubanos e a reportagem de capa do insuspeito jornal Extra de hoje (insuspeito por pertencer às Organizações Globo, sempre acima de qualquer suspeita), que conta uma história com fotos e entrevistas bem diferente do que os grandes jornais e televisões estavam informando. Prudência e caldo de galinha.... E paciência.