quarta-feira, 8 de agosto de 2007

O reacionarismo paulista e o caminho das pedras


Desde os anos 1970, quando se tornou o centro político do país nação (em 1965, a eleição direta de Negrão de Lima – juscelinista declarado – para o governo da Guanabara, abalou a ditadura e mostrou que o Rio ainda era a capital política nacional), São Paulo elege o que há de pior e de melhor no Brasil. Jânio, Maluf, Enéas, Clodovil representam a primeira categoria. Ulysses, FHC, Suplicy, e Lula, cuja iniciação política deu-se em São Paulo, aparecem, conforme o gosto do freguês, como o que há de melhor. Num artigo na Folha em 23/10/2005 (assinantes UOL clicar aqui), procurei mostrar que este paradoxo constitui um dos componentes da “desordem paulista” que tumultua o quadro político nacional.
Dentre as coisas ruins da Paulicéia, existe, ainda e sempre, um tipo de reacionarismo proto-separatista sem paralelos no Brasil.
Assim, um artigo do deputado estadual paulista João Mellão Neto (“Os perigos da incomPeTência”), do DEM, publicado no Estadão em 3/08/2007, critica (com razão) a ausência de Lula junto às famílias das vítimas do Airbus em São Paulo, mas conclui com a seguinte reflexão: “Nada contra o fato de o presidente se refugiar nos Estados nordestinos. Afinal, é neles que se encontra a grande maioria de seus eleitores, todos eles devidamente subornados pelo Bolsa-Família. Mas, a bem da Nação, a sua passagem deveria ser só de ida. Chegou a hora de dizer: Basta!”
Subornados? BNH, correção monetária, juros altos para os bancos, juros negativos e perdão de dívidas para os usineiros, Proer, tudo que engordou a conta da classe média e de muita gente rica durante décadas desaparece diante do “suborno” do Bolsa-Família. Ora, como escreveu outro dia
Fernando Canzian no Folhaonline, “O difamado Bolsa Família é apenas uma fração dos juros pagos a quem tem dinheiro no banco, são 0,4% do PIB contra quase 7%”.
O raciocínio cerebrino do deputado pressupõe que a legitimidade presidencial só existe nas regiões onde Lula obteve maioria eleitoral. Lula venceu na maioria dos Estados do Norte e do Nordeste, mas ganhou também em Brasília, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Nestes 5 Estados ele obteve uma vantagem de 7.291.000 votos sobre Alckmin no segundo turno. Ou seja, mesmo que todos os brasileiros do Norte e do Nordeste tivessem ficado em casa, ou pertencessem a um outro país, Lula ainda dava de lavada no candidato tucano no segundo turno. Para ser coerente, o deputado do DEM deveria também incluir todos os brasilienses, goianos, capixabas, mineiros e cariocas no seu ‘chega pra lá’ excludente e preconceituoso. De quebra, poderia agregar ainda, neste mesmo grupo de “subornados” cujo voto vale menos que o dele e de seus amigos, e que não pertence à "Nação" deles, todos os eleitores da Baixada Santista e da Grande São Paulo, que também deram a maioria de seus votos a Lula.
Falta quanto tempo ainda para a direita brasileira aprender o caminho das pedras da prática democrática?
P.S. -« O documento impressiona não apenas por revelar a amplitude a que chegou o programa [do Bolsa-Família] em um punhado de anos e sua focalização em geral adequada – uma proeza nada desprezível considerando a extensão do território coberto, o formidável contigente alcançado e o histórico brasileiro de monumentais desvios de verba no assistencialismo tradicional”, [mas impressiona ainda porque] “80% dos quase R$ 8,8 bilhões desembolsados pelo governo aliviam efetivamente a situação dos 40% mais pobres entre os brasileiros. E, desde o advento do programa, a concentração de renda diminuiu 4% no país”.
Os trechos acima foram extraídos do editorial equilibrado e pertinente do Estadão de 23/08/2007 que comenta estudos do Ministério do Desenvolvimento Social e do Ipea sobre o Bolsa-Família (“O Brasil do Bolsa-Família”)

18 comentários:

Alberto disse...

Para quem foi secretário de Jânio Quadros em sua ultima passagem pela como prefeito de São Paulo e comentarista no famoso "jornal da tosse" da tv record - antes dela ser vendida a Igreja Universal - só poderia dar esse tipo de comentário. Lamentável as palavras do Deputado.

Anônimo disse...

No "basta" que se concentrou em frente à sede da FIESP há alguns dias atrás, havia gente pregando o separatismo paulista.

Anônimo disse...

Perfeito seus comentários. Espero continuar lendo este blog. Estou cansado de blogueiros desonestos como Reinaldo Azevedo e outros.

Anônimo disse...

Acho que o tal separatismo preconceituoso está também bem presente no Rio Grande do Sul. Lá eles tem a certeza que são muito melhores que o restante do Brasil e que se fossem independentes seriam Europa. Coitados... Não entenderam nada.

sandro so disse...

Prof. Alencastro,
sempre repito que um grande problema da política atual do Brasil é nacionalizar as rusgas e pautas paulistas. O PT e o PSDB nacionais são paulistas, com pouquíssimas exceções com influência. Se FHC e Lula são o que São Paulo e o Brasil têm de melhor, está na hora de buscar para outro lugar alternativas viáveis (e não me venham com MG), sob o risco de o Brasil e transformar num ringue de brigas entre primas velhas, que se esquecem de administrar o país.
Ah... e alternativas em outros lugares existem há muito. É só São Paulo querer...
Com admiração,
SAndro Ornellas

leni simão disse...

O Mellão é patético, professor, nem vale a pena ler seus textos, muito menos comentar. Não passa de um capacho dos Mesquitas.

slavo disse...

Excelente texto. Acho que a questão principal é que pela primeira vez, temos um governo que tem como diretriz política a descentralização regional. No governo Lula, os estados do Nordeste verificaram uma aumento na participação no PIB nacional. O pensamento do deputado do PFL [pra mim vai ser sempre PFL] reproduz essa idéia preconceituosa e esterotipada de um Nordeste exclusivamente composto por miseráveis e analfabetos, e pior, a idéia de que os grandes centros do capital no país não tem nada a ver com isso.

Anônimo disse...

Penso que Getúlio Vargas foi um grande estadista, apesar de seus inúmeros defeitos. Só não o perdôo por ter sacrificado a vida de muitos brasileiros para impedir que São Paulo se desligasse do Brasil. Que erro crasso! Viva o separatismo paulista. E não tem nenhum problema: quando eu desejar visitá-los (até gosto de SP), mostro meu passaporte e pronto.

Anônimo disse...

Não é, contudo, desprezível que nossas elites possam sentir-se superiores aos demais brasileiros, pois esse sentimento vem a justificar seu imenso complexo de inferioridade também. Isso fica claro nos divãs por aí no nosso imenso país.

ams disse...

Começo a achar que São Paulo tem deputados demais, tendo bem menos do que deveria. Abs

Anônimo disse...

Vejo que a questão federativa é uma questão para todos. Recomendo calorosamente um artigo do Chico de Oliveira, pernambucano emérito e cidadão paulistano com título e tudo. Francisco de Oliveira, “A questão regional: a hegemonia inacabada”, in Estudos Avançados, volume 7, número 18, S. Paulo, IEA-USP, 1993. Pode ser puxado on-line no site do Scielo da FAPESP. Como bom discípulo de Celso Furtado, Chico entende a questão regional como questão nacional. O argumento é o seguinte: como carro-chefe da industrialização, São Paulo poderia ter realizado uma hegemonia POLÍTICA que estendesse às demais regiões os benefícios do processo. Isso porque o mercado por si só é incapaz de hegemonia num país tão desigual. Mas fez-se um acordo parlamentar de longo prazo - Chico nota que a industrialização foi apoiada paradoxalmente por dois partidos de base rural, o PSD e a UDN - entre São Paulo e as oligarquias mais atrasadas do Nordeste, o que perpetuou a fratura exposta da desigualdade. Não tenho agora de cabeça, mas o mesmo Chico tem outro artigo sobre a Federação num livro chamado "A Federação em perspectiva", editado pela FUNDAP de São Paulo em 1994. É tão bom quanto o primeiro.

Anônimo disse...

Você é um petista da gema. Só falei qu era feio malhar os paulistas porque são menos gôches e fui censurado. Típico.

Guilherme Montana disse...

A expressão "raciocínio cerebrino" resume tudo. Eu, recifense-brasiliense, jovenzinho praticante da cidadania umbilical e inofensiva, não fico mais espantado com essas declarações. Esse preconceito com ares separatistas, e temperos sofismáticos, sempre esbarra numa pergunta habitué das esquinas da minha mente. Por que eventos históricos estaduais significativos comemoram alguma batalha, ou revolta, ou insurreição, ou tentativa, ou qualquer coisa do gênero do estado em questão se separar do Brasil?

Tipo assim, os comentaristas aqui, antes de mim, aventaram "questão federativa", "desigualdade", "separatismo roxo" e outros cacoetes. Daí minha pergunta, que abrange todos os brasileiros, sobretudo paulistas. Que eu saiba, o único big evento com figurino patriótico é o da Batalha dos Guararapes (se estiver equivocado, me corrijam). A Holanda é um país bacana, mas suas colônias sofreram com apartheids. Muitos pernambucanos meio que comemoram a expulsão deles daqui. Se não comemoram, pelo menos acham legal. E é pra achar mermo!

Um senhor português (Fernandes Vieira), um luso-brasileiro (Vidal de Negreiros), um índio (Felipe Camarão) e um negão (Henrique Dias) - todos juntos dando de goleada Laranja Mecânica e tomando conta do pedaço. É ou não é bacana?

Já alguns outros estados "celebram" a frustação de não terem saído da casa da Mãe Gentil. Parece que esse separatismo interrompido ainda ecoa na voz de um Melão. Não falo da pacata fruta, claro está. Mas enfim, falei demais e fica a pergunta lá de cima, professor.

Abraços a todos, separatistas ou agregadores.

i disse...

Às vezes é até difícil acreditar nas coisas que se publicam em jornais brasileiros. Esse João Mellão Neto sempre me fez soltar nuvens cinzentas pela cocoruto, mas agora ele passou dos limites, como aquele sujeito da Philips (esqueci o nome dele), falando do Piauí...

Quanto a São Paulo como centro político do país: Se um trem corre célere para o abismo, deve ter algo errado com a locomotiva...

Anônimo disse...

professor, sou leitor frequente de seu blog, o qual se encontra incluso no menu "favoritos" do meu painel de controle. suas opiniões são transparentes e consumadoras. peço-lhe, por favor,que poste com mais frequência para felicidade de seu leitores!

luiz felipe de alencastro disse...

Caro Anônimo
Obrigado por seu comentàrio generoso. Estou de um lado para o outro no Brasil, meio sem internet. Quando voltar para Paris retomarei o blog com mais regularidade.

Solange Ayres disse...

Repito, ainda ha vida inteligente na net. Prof, o caminho das pedras é longo...

Blog do Eneas disse...

Como todo bom e qualquer intelectual de esquerda,é muito fácil falar em socialismo, apedrejar a classe média (quem de fato sustenta, com os impostos pagos, os programas assistencialistas) e pregar a maniqueista visão de mundo (onde, todos os que possuem uma visão diferente daquela pregada pelos "defensores do povo", são "direita reacionária") quando se vive em Paris, tomando café em Montmartre escrevendo sob o fundo da Torre Eiffel. Sugiro a você, Chico Buarque e toda essa galera que adora defender a "esquerda", que abandone essa boa vida ai e vá viver em Cuba, na Venezuela , na Bolívia , onde o modelo de "justiça social" que vocês tanto defendem, está em vigor. Mas antes que eu esqueça: Nao pode ter um empreguinho público não, viu !!