O Brasil em geral e São Paulo, em particular, saúda a chegada de Bush e a possibilidade de um acordo americano-brasileiro a respeito do etanol. Lula exulta e vê no etanol a salvação da lavoura, do Brasil e do mundo.
No entanto, quem conhece a história do Brasil e das regiões caribenhas, ou seja, do conjunto da América Negra, sabe como a grande lavoura açucareira carrega uma tradição de escravismo, de trabalho compulsório, de exploração de assalariados e de ruína do meio ambiente. Sabe também como esta atividade deu lugar às oligarquias mais atrasadas de nosso país e a um mandonismo regional autoritário e tinhoso.
Durante séculos, senhores de engenho e usineiros viveram pendurados em subvenções governamentais. Desde o início da colonização, a Coroa estabeleceu regras que davam um estatuto corporativo à açucarocracia colonial. Assim, o “privilégio de senhor de engenho” protegia os senhores de engenho contra o arresto de seus escravos por seus credores. Paralelamente, as matas e rios eram destruídos pela expansão dos canaviais e o despejo do vinhoto. Fenômeno descrito num livro pioneiro e pouco conhecido de Gilberto Freyre, Nordeste (1937).
Quando foi lançado o Pró-Alcool, muitos analistas exprimiram opiniões pessimistas, prevendo mais destruição do meio ambiente, extensão da monocultura e do proletariado rural. De lá para cá, resolveu-se boa parte do problema do vinhoto, que agora pode ser transformado em adubo. Mas os estragos ambientais e sociais continuam.
O trabalho do cortador de cana, pago por “tarefa”, isto é, pela quantidade de cana cortada, constitue uma forma precária de assalariamento que dá lugar a uma exploração vergonhosa. Fazendo gestos repetitivos no caloraço, mal alimentados, sem atendimento médico, os cortadores de cana adoecem e às vezes morrem de cansaço. O aumento das exigências produtividade intensifica a cadência do trabalho.
Pedro Ramos, um pesquisador da Unicamp, afirma que muitos dos cortadores de cana “são trabalhadores em um regime de escravidão disfarçada”.
Segundo ele, nos anos 80, um trabalhador cortava quatro toneladas e ganhava o equivalente a R$ 9,09 por dia. Hoje, corta na média 15 toneladas e ganha cerca de R$ 6,88 por dia. Em São Paulo, 400.000 homens e mulheres trabalham no corte de cana. No Brasil o número chega a um milhão.
Num país presidido por um ex-sindicalista, num governo dirigido pelo Partido dos Trabalhadores, é escandaloso que o assanhamento em torno do etanol não venha acompanhado de garantias trabalhistas que libertem os cortadores de cana da situação quase medieval em que vivem atualmente.
7 comentários:
Incrível como a velha cana-de-açúcar virou a promessa de fururo. Isso é que é reciclagem, com direito à mecanização. Usando uma expressão de Roberto, dá para dizer quem diria "viramos contemporâneos de Machado de Assis".
Caro Professor,
Seu artigo é perfeito.
Até que o corte pode ser 100% mecanizado, passando a ocupar trabalhadores mais qualificados para operarem as cortadeiras, eliminando o extenuante trabalho manual.
Mas o meio ambente continua sofrendo, e muito, com as imensas monoculturas de cana.
E todos nós, contribuintes, continuaremos sofrendo com o habitual "pendura" das contas na Viúva dos antigos e dos novos usineiros.
Caro Professor Alencastro:
Falando especificamente das garantias trabalhista, o movimento no Congresso Nacional para reforma da legislação trabalhista, ou, em bom português, para a supressão de direitos trabalhistas.
A grosso modo, essa reforma visa transferir para a autonomia privada a negociação dos contratos de trabalho.
À guisa de "proteção" dos trabalhadores, pretende-se fortalecer os sindicatos.
O movimento é capitaneado pelos grandes empresários brasileiros e sob o olhar complascente do Ministro do Trabalho (que até recentemente era presidente da CUT) e do próprio Presidente da República, sob o engodo de que os direitos trabalhistas encarecem a produção.
Se não houver atenção e, especialmente, organização dos trabalhadores para repudiar tais reformas, direitos trabalhistas construídos nos últimos cinqüenta anos serão varridos da legislação brasileira.
Caetano Veloso dixit: Sugarcane fields forever (Araçá Azul, Phillips, 1973)...
Estava sentindo falta dos seus artigos, professor.
Sim, nós temos cana de açucar e pretensões equivocadas.
Professor Alencastro,
Não me lembra que autor - era francês, se não me engano - disse que a cana-de-açúcar era um vegetal "antropófago". E, em termos, é. Em meu estado (Pernambuco) onde temos um velho conhecimento tanto da riquezas quanto das desgraças decorrentes da monocultura canavieira, sabemos bem disse. E Gilberto Freyre sabia-o mais que todos.É um fato notório, por exemplo, que a zona açucareira é mais miserável região do nosso Estado, quando, por mera hidrologia, deveria ser o Sertão. De Alagoas, estado exclusivamente açucareiro nem é bom falar. Agora, é preciso entender que essa nova economia açucareira é efetivamente mais moderna e tecnologicamente avançada. Além disso, deve-se notar que a cana-de-açucar, "grama hipertrofiada" não é destruidora de solos como outras culturas. E de qualquer jeito é melhor do que a exploração e o consumo de petróleo para o meio-ambiente. Vamos ver.
a) Joaquim Dantas.
joaquim.dantas@uol.com.br
É uma surpresa a cada dia: enquanto o presidente comemora, o governador do estado com a maior produção do país faz ressalvas ao empenho pelo metanol, lembrando problemas ambientais e, de quebra, trabalhistas, vide a Folha de São Paulo de sexta-feira, 09/03/2007,(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0903200708.htm), onde ele escreve: "São Paulo produz quase dois terços do álcool (e do açúcar) do país. A cana ocupa mais da metade das lavouras do Estado (excluídas as pastagens). Trata-se de concentração excessiva. Gera renda, mas acena com os riscos da monocultura. (...) Acima de tudo, é essencial garantir as condições ambientais que cercam a cana-de-açúcar. Neste ano, São Paulo terá plantado 4,2 milhões de hectares de cana. Em pelo menos 2,5 milhões de hectares (10% do território paulista) as colheitas serão realizadas mediante queimadas!"
10% do território do estado cobertos por queimadas, isso é que é modernização produtiva!
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