Notícia de hoje da Reuters, diz que um autor australiano, Peter Trickett, publica um livro Beyond Capricorn, provando que os portugueses foram os primeiros europeus a descobrir a Austrália.
O jornal The Sydney Morning Herald diz que a notícia é “surpreendente”.
Não há nada de surpreendente num fato praticamente demonstrado pelos historiadores e que deu até lugar a um selo dos correios portugueses em 1999. Nem tampouco esta descoberta da Austrália foi “secreta”, como se pretende agora.
Num artigo com o título “Descobrir o que?”publicado na Veja em 01/09/1999, a respeito do descobrimento do Brasil, comentei :
“Os festejos dos 500 anos podem ser vistos de ângulos diferentes... O sucesso de alguns livros recentes abre debates interessantes. O lado negativo é a reiteração de alguns mal-entendidos desfeitos há tempos. O mais tenaz destes mal-entendidos consiste em considerar “descobrir” como sinônimo de “chegar primeiro”. Descobrir, entre os séculos XV e XVII, significa dispor dos meios e dos fins da colonização. Significa, muito concretamente nos países ibéricos, levar a palavra de Cristo aos pagãos e o comércio europeu ao ultramar. Evangelizar e comerciar: os objetivos estão ligados. Dava para fazer comércio ou servir de escala à rotas mercantis, tudo bem. Se não dava, deixava-se cair.
Os portugueses foram certamente os primeiros a chegar na Austrália, logo no século XVI. Mas preferiram ficar a 258 milhas dali, em Timor, onde ganhavam dinheiro com o comércio do sândalo. Duzentos e cinqüenta anos mais tarde, os ingleses “descobriram”, isto é, ocuparam pra valer, a Austrália. A sinonímia entre “descobrir” e “chegar primeiro” nasceu no final do século passado, na corrida imperialista na África e na Ásia. Para os exploradores franceses e ingleses, chegar primeiro, fazer um arreglo com o régulo nativo local e plantar a bandeira da França ou da Inglaterra, era fundamental para selar o descobrimento de áreas sem soberania definida. Correndo atrás, vinham o exército e a marinha de guerra para consolidar a posse de sua respectiva bandeira. O fato que navios espanhóis ou franceses tenham tocado anteriormente o litoral brasileiro não significa grande coisa: quem veio e ocupou pra valer foram os portugueses depois da viagem de Cabral ».
Voltei ao assunto, nos exatos 500 anos do Descobrimento, na Folha de São Paulo, com uma conclusão que ainda está na ordem do dia :
« Geralmente, o capital histórico alegadamente acumulado no passado é mobilizado para levantar as hipotecas que pesam sobre o presente. O postulado é sempre mesmo: tivemos um passado promissor, portanto somos a Terra da Promissão.
Tem havido no debate sobre o Descobrimento um ocultamento do óbvio: a expansão do comércio ocidental impulsionou as explorações ultramarinas. Gente realista, os portugueses não iriam atravessar o oceano para balizar matagais só porque mais tarde ali haveria um país chamado Brasil e uma nação de brasileiros.
Como escrevi alhures, os portugueses foram certamente os primeiros a chegar à Austrália, logo no século XVI….
Para todos os efeitos práticos, o Brasil teve um papel bastante secundário durante o apogeu da economia portuguesa na Ásia. Nas 1.102 estrofes de "Os Lusíadas" (1572), Camões só faz duas curtas referências à Terra de Santa de Cruz.
O fato é que a busca de certezas no passado reflete as dúvidas sobre o presente. O país enfrenta hoje uma crise de identidade gerada por vários problemas: o impacto da globalização sobre uma comunidade nacional esgarçada pelas diferenças regionais e sociais; décadas de frustrações sobre reformas políticas e econômicas; o desdobramento das migrações regionais em imigrações internacionais: pela primeira vez em nossa história, um número crescente de brasileiros, cansado de viver no "país do futuro", vai viver noutro país para realizar seu futuro. Nesse contexto, apesar de tudo, é preciso pensar também no nosso difícil passado. Um passado que soa como uma advertência quando é assim resumido: a história do mercado brasileiro, amanhado pela pilhagem e o comércio, é longa, mas a história da nação brasileira, fundada na violência e no consentimento, é curta.
Ser mercado ou ser nação, eis a questão”.
3 comentários:
Prezado Alencastro,
A julgar pelo frontispício do novo passaporte brasileiro, a opção entre ser mercado ou ser nação já foi exercida. Já vai longe o tempo em que éramos cidadãos de um País. Somos doravante cidadãos de um mercado: o Mercosul. Ou Mercosur, para quem assim preferir...
Cordialmente,
J. H. Manzano
Acho muito interessante esse período em que os portugueses formaram o seu império colonial, nos séculos XV e XVI: tempo de explorações por um povo pragmático que experimentou chegar em terras onde os europeus jamais estiveram, ampliando os horizontes do pequeno Portugal. Como diria o Sr Spock, de Jornada nas Estrelas: "Fascinante!".
Prezado Professor Alencastro,
Pois é - eu já havia visto na National Library of Australia algum documento que indicava a passagem dos portugueses aqui. Alias, não sei porque tanta surpresa sabendo-se que naquele tempo os portugueses tinham hegemonia na technologia da navegação. Só confirma as minhas humildes especulações.
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