É a segunda vez que vim à Flip. Em 2007, falei de Joseph Conrad em Coração das Trevas e do colonialismo belga no Congo.
Desta vez, participei como debatedor da apresentação de Fernando Henrique sobre Gilberto Freyre. Não disse quase nada e há dias que não paro de ser elogiado por ter falado pouco.Um bloqueiro escreveu que eu estive « quase mudo » ao lado de FHC. Na verdade, resolvi reduzir minha intervenção quando FHC, na ante-sala da tenda da conferência, me mostrou o texto (mais de 50 páginas) que ele havia preparado para a Flip, depois de dois meses de leitura e de redação.
O texto completo será publicado pela Companhia das Letras, mas o público da Flip ouviu atentamente a instigante síntese. Fernando Henrique apresentou uma fala bem amarrada sobre Gilberto Freyre, Joaquim Nabuco, Florestan Fernandes (mestre de FHC), as idéias da USP nos 1950 e 1960, e, concluindo, sugeriu uma pauta para uma próxima Flip: uma homenagem a Sérgio Buarque de Holanda. As críticas matizadas que FHC expos sobre a obra de Freyre foram resumidas pela Folha com um título tosco : « FHC afaga e apedreja Freyre ».
Porém, o que mais me surpreendeu (na verdade, uma meia surpresa) foi a pouca relevância dada pelos jornais e pelos comentaristas a um ponto fundamental da crítica a Freyre que Fernando Henrique apontou (foi o único momento em que ele chamou Gfreyre de « reacionário ») e eu insisti : o largo e contínuo apoio que o autor de Casa Grande e Senzala ofereceu ao salazarismo e ao colonialismo português na África.
Por isso, reitero aqui que a justificativa freyriana do colonialismo português foi contestada, desde 1955, por um grande patriota angolano, líder da luta pela independência das colônias portuguesas na África, Mário Pinto de Andrade (veja-se o estudo de José Maria Nunes Pereira aqui). Nascido no Golungo, região angolana sangrada pelo tráfico negreiro atlântico desde o século XVI, Mário Pinto de Andrade sabia muitíssimo mais sobre Angola e o colonialismo português na África do que GF. Com o pseudônimo de Buanga Fele, ele publicou neste ano, na revista Présence Africaine, tribuna independentista africana editada em Paris, (na qual FHC também escreveu) um artigo refutando o luso-tropicalismo. Mais concretamente, Mário Pinto de Andrade aponta divergência histórica que marca a presença portuguesa no Atlântico e contradiz o luso-tropicalismo : o crescimento da população mulata no Brasil colonial e nacional e a atrofia da mestiçagem em Angola.
[Buanga Fele, “Qu’est-ce que ‘le tropicalismo’?”, Présence Africaine, v. 9, n. 5, 1955. Sobre a questão da mestiçagem no Brasil e em Angola, L.F. de Alencastro, “A continuidade histórica do luso-tropicalismo”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, nº 32, mar. 1992, pp. 77-84. Sobre Freyre, JK e lobby salazarista e colonialista português no Brasil, o livro importante e insuficientemente conhecido de Waldir José Rampinelli, As duas faces da moeda – as contribuições de JK e Gilberto Freyre ao colonialismo português, Editora da UFSC, Florianópolis, 2004.]
Também falei do colonialismo português quando discuti Casa Grande e Senzala com Gilberto Freyre Neto no programa « Espaço Aberto », da Globonews
4 comentários:
Prof. Alencastro,
O Sr. poderia me informar se há algum site com o vídeo do debate sobre Gilberto Freyre na FLIP, do qual o Sr. participou?
Obrigado,
Felipe.
Caro Felipe
o sitio està aqui
http://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1611958-17665-385,00.html
abs
e obrigado
Caro Luiz Felipe de Alencastro,
Já se pode imputar a Casa Grande & Senzala elementos do apoio de seu autor ao salazarismo?
Atenciosamente,
V.P.
Caro Vinicius.
Não. A virada salazarista de Freyre ocorre em "O Mundo que o português criou (1940)", e sobretudo nos dois volumes "Aventura e Rotina" e "Um Brasileiro em Terras Portuguesas" (1953),
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