domingo, 5 de abril de 2009

Lá se foi Marcito


Márcio Moreira Alves conviveu conosco e foi muito ativo em Paris e em Havana na oposição à ditadura. “Conosco”, quer dizer a tchurma de Miguel Arraes e de Violeta Gervaiseau (irmã de Miguel, que faleceu no ano passado e nos deixou zangados: ela não devia ter morrido: faz muita falta). Violeta, figuraça e chefe de todos nós, falava no telefone nos anos 70, e dai pra frente, com um código facilzinho para despistar eventuais escutas da polícia francesa: Marcito era o “deputado”, Miguel o “doutor”, Celso Furtado o “ministro”, Samuel Wainer “ o “profeta”, Glauber Rocha o “cineasta”, Fernando Henrique o “sociólogo”, Roberto Schwarz o “ professor”. Ela própria, Violeta, nós a chamávamos “Madame”, seguindo a alcunha dada pelo “doutor”. Um dia, numa reunião na casa de Madame, Marcito, vindo de Havana, trouxe uma notícia sombria: os cubanos avisavam que o “doutor” (que morava em Argel mas vinha sempre à Paris) estava numa lista de líderes da esquerda latino-americana que podiam ser assassinados pela operação Condor (a gente ainda não sabia o nome desta quadrilha de assassinos): Orlando Letelier, ex-chanceler e embaixador do Chili de Allende em Washington, foi assassinado na capital americana em 1976, à duas quadras na Casa Branca (e Bush pai, diretor da CIA na época, não soube de nada!), e mais, o ex-senador da esquerda uruguaia Michelini, o presidente da camara dos deputados uruguaio, Guterriez, e o ex-presidente boliviano, Torres, foram assassinados em Buenos Aires no mesmo ano e Prats, general allendista, também havia sido assassinado em Buenos Aires em 1974. Com a informação sobre o “doutor”, Madame ficou abalada, e Marcito se emocionou. Nosotros también.
O “deputado” era um cara cheio de nuances. Tinha uma voz impositiva e um jeito arrogante, mas não era nada assim: falava um disparate e depois fazia um sorriso simpático, todo disponível para escutar uma réplica e uma explicação (as moças eram bastante receptivas ao sorriso dele). Quando ele defendeu a tese de doutorado aqui em Paris, o “ministro”, que fazia parte da banca, e era um intelectual rigoroso, sobretudo na banca de amigos, fez críticas de grande calibre. Mas o “deputado” não levou a mal, nem na hora, nem nos anos seguintes. Quando Collor tomou posse, Marcito escreveu um artigo elogiando o “Plano Collor” na mesma página do JB onde eu publicava um texto dando um pau no dito cujo. Mas ele me encontrou depois com o mesmo sorriso simpático.
Ele sabia “encaisser le coup”. Porém, a confusão do AI - 5 ainda pesava nas suas costas . Anos antes, em Paris, eu morava num apê mínimo, rue du Dragon, e ele veio encontrar um amigo que dormia na minha saleta (mais por causa do ponto do que pelo conforto) entre uma viagem e outra de Havana a Paris. Apoiou-se numa mesinha onde tinha umas caixas de sapatos, cheias de fichas sobre documentos do Brasil no século XIX, e derrubou tudo no chão. Apanhei tudo numa boa, mas levei tempo para não misturar coisa com coisa. E fiz cara feia. Márcio ficou passado e depois disse para nosso amigo: “porra, faço tudo errado! Cheguei lá e logo derrubei as fichas dele!”. Ora Marcito, não é verdade: você fazia tudo certo: Acabei reorganizando minhas fichas de um jeito melhor!

2 comentários:

Silvio Pedrosa disse...

Prezado Prof. Luiz Felipe de Alencastro,

Este talvez não seja o espaço mais apropriado para isso, mas como não sei a repercussão do acontecido na Europa, gostaria de saber se o incidente de ontem na estação de trem de Madureira está sendo comentando ou se o senhor mesmo tem conhecimento?

Enfim, foi algo emblemático da nossa herança e vejo acontecer quase todos os dias, embora em menor grau.

Um link para a notícia (que está sendo repetida até a exaustão nos telejornais do Brasil):

http://oglobo.globo.com/rio/mat/2009/04/15/funcionarios-da-supervia-agridem-passageiros-que-embarcavam-na-estacao-de-madureira-755280653.asp

A propósito, parabéns pelo blog, de raríssima qualidade.

Abraços,
Silvio

disse...

Luiz Felipe?Abandonaste o blog,novamente?
ansiosa aguardo um post novo.
abraços