sábado, 19 de abril de 2008

Déjà vu


Outro dia foi anunciada uma grande 'descoberta' feita por pesquisadores do Center for Economic Policy Research (CEPR), de Londres: veiculando um padrão de família com poucos filhos, as novelas da Globo tiveram impacto na forte queda da taxa de fecundidade constatada no Brasil nas últimas décadas. Anunciada pela BBC, a notícia repercutiu pelo mundo afora, no Globo, na Folhaonline, no SkyNews, no New York Daily News e nas agências de notícias.

Embora ainda fosse madrugada por aqui, a leitura da « novidade » me deixou embatucado. Explico: desde o final dos anos 1980 e nos anos 1990 participei de seminários e debates no Cebrap em que Vilmar Faria -, autor do primeiro estudo sobre o assunto em 1989 -, e Elza Berquó, grande demógrafa e fundadora do Cebrap, discutiam e organizavam pesquisas sobre o tema. Joseph Potter, da Universidade do Texas, juntou-se às pesquisas iniciadas por Vilmar e em 1998 os dois publicaram um artigo intitulado : “Television, Telenovelas, and Fertility Change in North-East Brazil”,(in Richard Leete (ed.), Dynamics of Values in Fertility Change, Oxford: Oxford University Press, 1998). O ensaio teve impacto imediato e -, coisa muito rara -, foi citado num editorial do The New York Times, em junho de 1998. O texto foi depois publicado na revista do Cebrap em março de 2002. A tése dos autores, fundamentada em pesquisas, era basicamente a mesma que está sendo 'descoberta' 10 anos depois.

Os autores do estudo do CEPR citam 3 vezes (no estudo, não nas entrevistas aqui citadas) o ensaio de Vilmar e Potter. Mas, francamente, não avançam muito além das análises publicadas pelos dois. Acho até que as conclusões de Vilmar e Potter são mais complexas e sofisticadas que as do CEPR. Quem quiser, pode conferir. Mais ainda, o estudo do CEPR (feito por La Ferrara, Chong e Duryea) aparentemente ignora o grande estudo orientado por Vilmar, Potter e Elza, entre 1992 e 2000, cujo resumo transcrevo: “O projeto 'O Impacto Social da Televisão no Comportamento Reprodutivo no Brasil' é um projeto multi-disciplinar e multi-institucional que envolve, além do CEDEPLAR/UFMG, o NEPO/UNICAMP, o CEBRAP, a ECA/USP, além da University of Texas at Austin e Santa Clara University. O objetivo do projeto é mostrar como a televisão teve impacto nas mudanças reprodutivas observadas no Brasil recentemente, incluindo a queda da fecundidade propriamente dita e as mudanças ideacionais (ideational changes) com relação à reprodução, sexualidade e uso de contraceptivos. O argumento, inicialmente proposto por Faria (1989), é de que a política governamental de incentivo à expansão dos meios de comunicação de massa, aliada à ampliação do crédito ao consumidor e à medicalização, geraram efeitos não intencionais e não esperados sobre a fecundidade e as práticas contraceptivas. O projeto teve início em fevereiro de 1992 com um workshop em Austin, Texas. ... A pesquisa de campo propriamente dita foi feita entre junho de 1996 e fevereiro de 1997, enquanto a novela das 8 da Rede Globo O Rei do Gado esteve no ar. ».

Este projetaço, discutido em universidades americanas e brasileiras, teve trabalho de campo e pesquisas derivadas publicadas dentro e fora do país. A melhor prova que a pesquisa do CEPR não « descobriu » nada de tão novo assim, pode ser verificada nos resumos das duas pesquisas, publicados na mídia novaiorquina com dez anos de intervalo.

Em 1998, o editorial do New York Times dizia: “Vilmar Faria, a Brazilian sociologist, and Joseph Potter, a University of Texas sociologist, argue that the drop in fertility tracks the spread of television -- dominated by the universally popular nightly soap operas known as telenovelas. For many poor, the telenovelas provided their first glimpse of small, less authoritarian families and of consumer culture. Women realized they could choose fewer children, and that children had a cost ».

Há três dias, o New York Daily News, jornal de 2a. divisão de Nova York, afirmou, num tom mais vulgar, no meio do noticiário geral: Soap operas are contributing to a population decline in Brazil, according to a new study - and not just because people are too busy watching TV to get busy in the bedroom. A study by the Center for Economic Policy Research (CEPR) says that Brazil's national addiction to soap operas is to blame for a drastic decline in fertility rates there over the past four decades. The small families depicted on the soaps, the study says, are causing real women to want fewer children of their own.

Dez anos atrás, trouxe de NY para Vilmar o exemplar do NYT com a primeira citação. Ele ficou feliz. Agora, ponho as duas citações lado a lado neste post. Espero que ele também tenha ficado contente, lá onde se encontra.

12 comentários:

Claudia disse...

Caro Luiz Felipe,

Eu conhecia a pesquisa mas adorei ler sua crítica do trabalho do CPER que por pouco não grafei CPOR.

Quer dizer então que os ingleses perderam a oportunidade de reforçar os conhecimentos sobre um tema interessantíssimo.

Podiam ao menos ter comparado os cenários já que os trabalhos foram desenvolvidos com um intervalo de 10 anos.

Como você chamou a atenção, pesquisa requentada é destaque na segunda divisão.

Abraços,

Claudia

Anônimo disse...

Professor,
Hoje em dia, com a globalização em marcha, o fenomeno pode ser exteriorizado. Em Luanda o número de car-jackings multiplicou desde que os bandidos-apredizes observaram o método brasileiro...nas telenovelas. Será que a classe média emergente no país também vai conhecer uma baixa de natalidade ?

Claudia disse...

Caro Luiz Felipe,

Eu escrevi antes que conhecia a pesquisa do CPOR mas na verdade eu 'comi' o não por engano. Eu não tinha nem ouvido falar da tal pesquisa.

Enfim, esta era só para corrigir meu erro de digitação.

Abraços,

Claudia

Anônimo disse...

Inglês é um bicho burro assim mesmo ou eles estão de gozação conosco?

Achar que a taxa de fecundidade do Brasil caiu por causa das NOVELAS DA GLOBO ou é ser muito débil-mental ou é achar que NÓS é que somos os débeis-mentais.

Todo mundo sabe que quando um país se desenvolve, os níveis de educação e informação também aumentam. As pessoas passam a ter acesso a coisas como ANTICONCEPCIONAL e CAMISINHA e, principalmente, à perda do preconceito quanto a métodos contraceptivos.

Mas o problema é que Gringo SEMPRE quer achar uma maneira de desqualificar o Brasil como nação emergente, e então inventa uma BESTEIRA como se estivessem querendo dizer, "olhem, vocês estão enganados, o Brasil não está se desenvolvendo não, se a taxa de fecundidade caiu, foi por outra razão qualquer".

Ah, e as Falkland são Argentinas. Antes que eu me esqueça. Cambada de pirata.

Claudia disse...

Seu Jeremias,

Eu não sei em que planeta o senhor está. Prefiro achar que você está flutuando na atmosfera terrestre a chamá-lo de débil-mental ou burro.

O Luiz Felipe gastou o latim dele aqui para explicar mas você, que deve ter lido muito rápido, não entendeu.

Já foi demonstrado e é largamente aceito pela comunidade científica os efeitos da TV no povo brasileiro. Para bem e para o mal. E foi demonstrado que as novelas influenciam SIM o comportamento do povo, principalmente das mulheres, principal público dos dramas televisivos.

Os tais ingleses (do centro preparatorio para oficiais da reserva) requentaram uma 'janta' servida há 10 anos por uma missão amiga de pesquisadores do Brasil e EUA que foi repercurtida com o aval da revista do Cebrap (como tentou explicar o Luiz Felipe!)

Enfim, mil coisas. Se você prefere viver nas estrelas, ou se aqueles cinquinho do crescimento anual são suficientes para te convencer de que o nosso povo deixou de se reproduzir descontroladamente por que se desenvolveu, isto é uma opção sexual sua.

Mas faça-nos um favor mantenha sua ira contra-científica lá para as suas negas!!!

Claudia

Anônimo disse...

Sobre o desenvolvimento: a queda da taxa de fecundidade vai repercutir (já está repercutindo) na questão da Previdência Social, com o Brasil passando a ter cada vez mais pessoas da terceira idade teoricamente em condições de se aposentar. Com o baixo assalariamento da economia brasileira, em que pese o desenvolvimento (que não é um processo linear na periferia do capitalismo), de onde vai sair o dinheiro para a Previdência social? Questões demográficas comlexas...

Maciel disse...

A taxa de fecundidade na Coréia tb caiu por causa das novelas??
Santa paciência!
Se isso fosse verdade, o número de filhos das famílias que vêem novela no Nordeste e o número de filhos das famílias que vêem novela no Sul não deveriam ser pelo menos parecidos?
Será que esse comportamento é observado em todos países em que as novelas são exibidas? (são muitos a muito tempo - Escrava Isaura, p. e., foi vendida para mais de 100 países).
Se quiserem, posso fazer uma pesquisa provando que a taxa de natalidade caiu em virtude do aumento de produtividade das vacas holandesas no Brasil... Ou por causa da verticalização das cidades (quanto mais prédio, menos crianças)!
Talvez o crescimento da Igreja Universal do Reino de Deus...

Dona Sra. Urtigão disse...

Crianças, sei que já passou um tempão da noticia, mas como sou novata na rede e só li agora...
mas não resisti comentar,mesmo sabendo que ninguem mais volta aqui (???)
Jeremias: é, voce não entendeu nada
Milton: os recursos da Previdência podem aumentar de diversas formas:1) redução do mau uso, desvios,etc.
2)inclusão da maior parte da classe trabalhadora no mercado formal (serão contribuintes)
3) aumento dos ganhos salariais e consequente aumento da arrecadação 4) etc , deixo para os economistas.
Se não, não entendo como paises como Canada e outros onde o crescimento populacinal é estável e até negativo já não quebraram

Dona Sra. Urtigão disse...

Ah! Regis: realidades culturais e politicas ( no sentido de gestão)diferentes, acarretam pesos diferentes nos diversos fatores que controem uma sociedade. Reflita, oras...
e Luis Felipe : muuuuito obrigado pela informações. Voltarei mais vezes. Adoro quando aprendo coisas e voce é 10

Anônimo disse...

Tá, mas será que alguém deixa de fazer sexo pra assistir TV? A tal taxa de fecundidade pode ter baixado, mas por outro motivo.

Anônimo disse...

Pra este aqui faltam, mesmo, alguns neurônios. Não adianta insistir. Tem cabeça na qual só entram piolhos...

Anônimo disse...

Estatísticas são um perigo nas mãos de quem não sabe analisá-las. Chega-se a qualquer conclusão que se queira...