Lido aqui de manhã cedo, quando no Brasil ainda é alta madrugada, o editorial de hoje da Folha, “O caso Lamarca”, me deixa perplexo. Os argumentos avançados no texto, contrários à decisão de promover Lamarca a coronel e indenizar sua família, parecem coerentes. Mas em nenhum momento fazem referência à fundamentação jurídica seguida pela Comissão de Anistia.
Noutra página do jornal, vem resumido o histórico da decisão. “O primeiro reconhecimento da responsabilidade do Estado pela morte de Carlos Lamarca foi em 1996, quando a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça determinou o pagamento de indenização à família.A decisão foi inovadora, já que a lei vigente limitava o pagamento às famílias dos mortos em dependência policial. Morto em campo aberto, entendeu-se que Lamarca já estava sob o cerco de agentes do Estado, sem condição de reagir. Em 2004, a lei foi alterada e as possibilidades de indenização, ampliadas. Anteontem, a Comissão de Anistia determinou o pagamento de pensão de R$ 12.152,61 à viúva. Os crimes ou a deserção do Exército não entraram em discussão porque, em 1979, o país aprovou a Lei da Anistia, que perdoou os crimes cometidos durante o regime militar.”
O julgamento dá lugar a controvérsias. Porém, o editorial da Folha enviesa o debate e termina com uma conclusão bizarra: “Por tratar-se de um prêmio à deserção, ademais, a equiparação de seus vencimentos ao de um general afronta os princípios de disciplina e subordinação, pilares das Forças Armadas”.
Faltou serenidade e sobrou ambigüidade. O editorial desconsidera o fato de que o caso estava praticamente julgado desde 1996, e que o crime de deserção fora apagado, anistiado, pela Lei de 1979. Não há, em espécie, nenhum “prêmio à deserção” ou qualquer “afronta” à disciplina militar. Mesmo porque os "pilares" das Forças Armadas, da CBF, do ensino escolar e do cotidiano brasileiro são o respeito ao Estado de Direito e à Constituição dele procedente. Quem não estiver de acordo deve recorrer aos tribunais.
11 comentários:
Ótimo raciocínio jurídico para rebater a (falta de) argumentação da FSP. Mais um pouco e o post poderia ter caído na classificação "Balocobaco". Abs
lamarca é um sujeito estranho à história do brasil, cheio de heroísmos e sacrifícios pessoais. mas não acho a decisão correta: o estado deve agora dar pensão a quem o combateu outrora? escolher o caminho da guerrilha não é exatamente ir contra toda a legalidade do estado? e queremos agora que o estado reconheça o erro? não me parece lógico, nem possível.
essa decisão judicial pode inclusive manchar o nome do único revolucionário profissional que por aqui houve. por muito menos, c. h. cony tentou se explicar. e ninguém comprou a explicação dele.
--mtb
PS: a citação da folha está duplicada, houve um CTRL + V extra aí.
O que eu não sei se é verdade é o argumento do "já estava cercado, não podia se defender". Quanto à deserção: a ordem jurídico-política contra a qual Lamarca se insurgiu foi extinta e repudiada pelo povo brasileiro nos anos 80. Se Lamarca não merecer pensão, será por ter executado refém; pela deserção do exército ocupante que oprimia a democracia brasileira, aí sim ele merece prêmio.
A ditadura de 1964 se instituiu ao completo arrepio da lei. Se alguém desertou do Exército Brasileiro, cuspindo na Constituição e na lei, foi Costa e Silva et caterva.
Não se discute se ele desertou ou não. Isso poderia ser objeto de outro julgamento, em foro militar, caso ele estivesse vivo. O que se discute aqui é a responsabilidade do Estado por um cidadão - criminoso ou não - sob sua guarda. O que, aliás, é um dos princípios do Estado de Direito Moderno e não só do Estado brasileiro (antes ou depois da lei da Anistia e da Constituição de 1988). Todas as circunstâncias do cerco indicam que os dois guerilheiros não tinham condições físicas de rompê-lo (como se sabe e ressaltou a própria Folha, Lamarca estava doente e debilitado). Lamarca não combatia o Estado, mas um regime ou governo, o que é diferente.
Lamarca não lutava por democracia, mas para implantar outra ditadura...
Segundo o Jarbas Passarinho, era só mais um medíocre que matou um refem a coronhadas.
Não se diferencia em nada de seus assassinos.
O editorial O Caso Lamarca, de um parcialidade impressionante, desconhece (ou não aceita?) o fato de quem fez "opção pela luta armada e pelo terrorismo, com o objetivo de instalar uma ditadura socialista no Brasil. Assaltou bancos, seqüestrou um embaixador e matou agentes de segurança" foi tão anistiado quanto os que instalaram uma ditadura não-socialista no País, policialesca e terrorista (vide Casos ParaSar e RioCentro, por exemplo). E caçaram, cassaram, seqüestraram, torturaram, mataram etc etc. Quanto a esses nada diz o duro Editorial.
Por que será que o mesmo editorial ecoa a notícia da Folha (publicada na ocasião em 1971 e reafirmada agora) que é a versão da Ditadura de que Lamarca morreu "em combate". Não é exatamente tal versão que podemos ler em A Ditadura Escancarada, de Elio Gaspari, por exemplo.
A Folha tem o direito de se opor à posição da Comissão, poderia ter feito um editorial equilibrado firmando a sua oposição (a família já conseguiu indenização na Justiça, Lamarca desertou e não foi expulso etc.), mas não tem o direito de negar que a Anistia alcançou os terroristas de oposição à Ditadura, tanto quanto os terroristas da sustentação da Ditadura (sobre os quais se cala) e também não pode adotar a versão da "morte em combate", sem ao menos informar a controvérsia que há sobre o tema. Isso não é jornalismo imparcial, como o apregoado. Isso é jornalismo de partido. Atenciosamente,
Fernando Trindade
É uma perfeita sandice o que estamos vivenciando no Brasil de hoje. A esquerda brasileira (partidos, academia e imprensa) sempre condenaram a anistia, exatamente por ter sido "ampla, geral e irrestrita". Até o cantor popular Renato Russo compôs uma música onde diz "eu nunca anistiei ninguém...". Agora veêm com essa conversa frouxa de usar a própria lei em benefício financeiro de seus admirados mitos.
Lamarca não só merece a lata de lixo da história, pois lutava pela implantação de uma ditadura socialista - via de regras todas elas cometeram crimes contra a humanidade que vocês todos fazem de conta que não foi nada além de um acidente de percurso -, como esse pagamento de indenização é uma imoralidade.
Desde que FHC chegou à presidência, uma verdadeira indústria de indenizações a ex-guerrilheiros, militantes e participantes da tal "resistência à ditadura" foi institucionalizada. Está certo, mas, se vamos indenizar, que todos sejam indenizados de maneira igual. Recentemente, a FSP publicou matéria sobre uma indenização esdrúxula de menos de mil reais para a viúva de um militar comprovadamente morto em combate. Questiono: por que a dupla postura? Viúvas são viúvas. Se a indenização vale para um, morto em defesa da democracia (leia-se socialismo), porque não vale para o outro, funcionário de governo que cumpria ordens? Ah, é mesmo... Já estava me esquecendo: como fica a mística do revolucionário puro e imaculado que se sacrificava pela resistência à ditadura...entenda-se em benefício da construção de outra ditadura, essa socialista.
-Mais uma sandice desse governo irresponsável, que vive de aparências, sem a menor responsabilidade com a realidade. Pior,se a moda pega, daqui a pouco vamos pagar mais impostos para compensar tantas beneces que esse governo estúpido pensar em fazer.
Concordo com o Patrick. A ditadura cuspiu em toda uma ordem vigente, soçobrou as bases do já frágil estado brasileiro e inaugurou uma era de tirania institucional horrenda e que torturou sim, matou sim e tripudiou as mais básicas leis da liberdade.
Excelente post.
Abs.
Salve, professor.
Sua bença.
A mídia cretina brasileira faz assim. Defende os interesses das elites e dos poderosos em qualquer circunstância. Nós, o povo da senzala, os lacaios, vivemos sob o seu chicote. Quando não publicando matérias maquiadas e venais, se referindo aos assassinados e torturados do "Brasil nunca mais" como guerrilheiros e desertores.
Ao invés de ler jornais, leio blogs.
Abraços desde Aracati.
Postar um comentário