Em algumas horas, Sarkozy será o novo presidente da França. Talvez por dez anos, mas este é outro papo. Entre as coisas que tem sido ditas e escritas sobre a eleição, há o tema de maio de 1968, trazido à tona pelos ataques de Sarkozy à « herança » meia-oito. O Herald Tribune e jornais pelo mundo afora falaram nisso. No Le Monde, Dominique Dhombres ridicularizou a investida de Sarkozy. Não obstante, na semana que vem haverá gente proclamando, mais uma vez, a extinção definitiva de maio 68 e o sepultamento de seus restos nos quintos do inferno.
No que me cabe, quero distância do narcisismo geracional que se identifica à imagem botoxizada de um maio 1968 oba-oba e priápico. A direita também propaga esta imagem para reforçar a idéia de que tudo não passou de uma geral esculhambação. Como escrevi na Folha há algum tempo, «De Bush ao diretor do Banco Mundial, Paul Wolfowitz (estudantes na época), até ao papa Bento 16 (professor em Tubingen), há toda uma camada de gente influente na Europa e nos EUA que guardou um rancor tenaz contra o "meia-oitismo".
Longe das caricaturas, maio é também, e sobretudo, a maior greve operária ocorrida num país desenvolvido no pós-guerra, é um movimento social e cultural que mudou o país. Estas e outras coisas estão ditas numa entrevista em que participei ao lado de gente ilustre (FHC, Paulo Arantes, Giannotti, Roberto Schwarz), em 1998, no trigésimo aniversário de maio. A entrevista foi publicada na Folha e ainda está no sítio do Jornal do Commércio, de Recife (vim para a França em 1966, e não em 1996, como está escrito na entrevista).
No que me cabe, quero distância do narcisismo geracional que se identifica à imagem botoxizada de um maio 1968 oba-oba e priápico. A direita também propaga esta imagem para reforçar a idéia de que tudo não passou de uma geral esculhambação. Como escrevi na Folha há algum tempo, «De Bush ao diretor do Banco Mundial, Paul Wolfowitz (estudantes na época), até ao papa Bento 16 (professor em Tubingen), há toda uma camada de gente influente na Europa e nos EUA que guardou um rancor tenaz contra o "meia-oitismo".
Longe das caricaturas, maio é também, e sobretudo, a maior greve operária ocorrida num país desenvolvido no pós-guerra, é um movimento social e cultural que mudou o país. Estas e outras coisas estão ditas numa entrevista em que participei ao lado de gente ilustre (FHC, Paulo Arantes, Giannotti, Roberto Schwarz), em 1998, no trigésimo aniversário de maio. A entrevista foi publicada na Folha e ainda está no sítio do Jornal do Commércio, de Recife (vim para a França em 1966, e não em 1996, como está escrito na entrevista).
13 comentários:
Recentemente, entre 2004 e 2006, passei por um turbilhão mental em que me tornei uma 'drowing girl', uma garota quase se afogando no esquecimento, que me engolia. Naquele período, dei-me conta de que custa muito caro esquecer determinados eventos do passado, sejam estes de ordem pessoal ou coletiva. Hoje, acredito ser uma pessoa mais madura e autocentrada, por ter digerido e dado um destino a experiências que antes estavam represadas. Esquecer Maio de 68 não é muito diferente de esquecer o extermínio na Alemanha nazista, guardadas as devidas proporções e distinções. Um abraço.
Esse papo de esquecer 68 me parece tão nefasto quanto ficar chamando tudo de herança maldita. Bem, agora o resultado é oficial, muitos anos de Sarkô pela frente. Entre outras coisas, estou curiosa para ver a situação do Chirac, se é boato a historinha que corre que eles teriam feito um acordo para estender a imunidade do em breve ex-presidente.
abs
Salve, professor Alencastro.
Que lástima! Se o continente sul-americano é composto 100% de índios em relação ao mundo velho, então o que leva a países como a França escolher um candidato neoliberal, xenófobo, aliado de Bush e de Blair para governá-los?
Sarkozy representa mesmo uma ruptura num país que é o berço do republicanismo moderno? Tenho dúvidas... Me parece que o discurso dele foi feito sob medida para essa conjuntura, mas ainda existem estruturas na história... Quanto a maio de 68, é ridícula essa campanha neo-conservadora! Um movimento desses não ocorre por acaso... E sempre é bom repetir, o capitalismo tem contradições internas que tendem a criar as bases de sua superação. É pecado desejar uma vida com liberdade sexual, menos apego (ou contra) ao padrão de vida burguês e a formas enrigecidas de autoridade, anti-depredação da natureza, etc? E por tudo isso mais racional! (É no mínimo ignorante quem associa 68 a irracionalismo). Só a lógica mercantil pode ter liberdade de destruir o que quiser? A catástrofe ecológico-climática que já está debaixo dos nossos narizes vai ser resolvida pelo Bush ou pelo Sarkozy? 1968 não teve/tem nada a dizer sobre isso? A praia ainda está debaixo da calçada, sim, enquanto o capitalismo for o que for. Viva Maio de 68!
Sem querer fazer fofoca, mas já fazendo, olha só o que o que o Reinaldo Azevedo escreveu: "Alencastro e a dislexia argumentativa:
Certa antropologia e certa sociologia nativas tentam sempre captar o que eu chamaria de “exceção brasileira”, algo que faria com que sejamos o que somos: onde estaria essa particularidade? Não tenho paciência para essas coisas, como sabem. A minha inclinação é bem outra: interessa-me mais o que, no Brasil, é traço universal. Deixo particularismos por conta dos vegetais — só o Brasil tem jabuticaba — e eventos da natureza: a nossa pororoca é a maior do mundo... Mas adiante. Um amigo me manda um link da UOL News (acho que é só para assinantes), em que o professor brasileiro Luiz Felipe de Alencastro, Diretor do Centre d'Etudes du Brésil et de l'Atlantique Sud, afiliado ao Centre Roland Mousnier, da Universidade de Paris-Sorbonne, analisa as eleições francesas.
Vale a pena ouvir (clique aqui). A chamada da UOL News é interessante: “Vitória de Sarkozy é revanche da direita, diz Alencastro”. O apresentador entrevista o professor. A conversa é precedida de uma vinheta que mal esconde a pretensão: “Felipe no Mundo”. Uau! Fotos suas são levada ao ar, ora com a mão do queixo, ora com os olhos voltados para o alto, como quem faz download do divino: “Venham idéias puras, tomem este corpo”.
O mais curioso é que a entrevista demente a chamada. Num dado momento, ele é indagado se o Le Monde está certo quando afirma que a vitória de Sarkozy é a revanche da direita. Ele diz um “Oh, sim...” Mas, curiosamente, na seqüência, seus argumentos nos levam a crer que não. É um caso típico não do que Olavo de Carvalho chama de “paralaxe cognitiva” (pesquisar a respeito), mas de dislexia argumentativa. Ele diz “sim” e dá exemplos que provam o “não”. Não, diz ele, Sarkozy não poderá revogar algumas leis que datam lá de 1968 e tem poderes limitados para legislar sobre certos assuntos, porque são decisões tomadas no âmbito do Parlamento Europeu. Quando trata da mudança da aposentadoria, Alencastro deixa claro que ela é necessária porque a expectativa de vida aumentou muito no país.
Vale dizer: Sarkozy não é a revanche da direita coisa nenhuma, mas um intelectual brasileiro, claro, tem de ser progressista e precisa demonstrar que suas simpatias estão com a esquerda mesmo quando nem ele próprio consegue dizer os motivos. É um troço formidável. Note-se o sotaque afrancesado do brasileiro. O francês é para Alencastro o mesmo que o inglês é para Mangabeira Unger. E, na entrevista em questão, quase se igualam também na glossolalia. Ao falar da aposentadoria, num dado momento, Alencastro solta um “nós...” (referindo-se aos franceses) e depois se corrige. Entendo. Há um mito de que a França é a pátria coletiva dos sonhos. Mas não é. Ainda existem os franceses".
Blog de Reinaldo Azevedo:
Certa antropologia e certa sociologia nativas tentam sempre captar o que eu chamaria de “exceção brasileira”, algo que faria com que sejamos o que somos: onde estaria essa particularidade? Não tenho paciência para essas coisas, como sabem. A minha inclinação é bem outra: interessa-me mais o que, no Brasil, é traço universal. Deixo particularismos por conta dos vegetais — só o Brasil tem jabuticaba — e eventos da natureza: a nossa pororoca é a maior do mundo... Mas adiante. Um amigo me manda um link da UOL News (acho que é só para assinantes), em que o professor brasileiro Luiz Felipe de Alencastro...
Vale a pena ouvir. A chamada da UOL News é interessante: “Vitória de Sarkozy é revanche da direita, diz Alencastro”. O apresentador entrevista o professor. A conversa é precedida de uma vinheta que mal esconde a pretensão: “Felipe no Mundo”. Uau! Fotos suas são levada ao ar, ora com a mão do queixo, ora com os olhos voltados para o alto, como quem faz download do divino: “Venham idéias puras, tomem este corpo”.
O mais curioso é que a entrevista demente a chamada. Num dado momento, ele é indagado se o Le Monde está certo quando afirma que a vitória de Sarkozy é a revanche da direita. Ele diz um “Oh, sim...” Mas, curiosamente, na seqüência, seus argumentos nos levam a crer que não. É um caso típico não do que Olavo de Carvalho chama de “paralaxe cognitiva” (pesquisar a respeito), mas de dislexia argumentativa. Ele diz “sim” e dá exemplos que provam o “não”. Não, diz ele, Sarkozy não poderá revogar algumas leis que datam lá de 1968 e tem poderes limitados para legislar sobre certos assuntos, porque são decisões tomadas no âmbito do Parlamento Europeu. Quando trata da mudança da aposentadoria, Alencastro deixa claro que ela é necessária porque a expectativa de vida aumentou muito no país.
Vale dizer: Sarkozy não é a revanche da direita coisa nenhuma, mas um intelectual brasileiro, claro, tem de ser progressista e precisa demonstrar que suas simpatias estão com a esquerda mesmo quando nem ele próprio consegue dizer os motivos. É um troço formidável. Note-se o sotaque afrancesado do brasileiro. O francês é para Alencastro o mesmo que o inglês é para Mangabeira Unger. E, na entrevista em questão, quase se igualam também na glossolalia. Ao falar da aposentadoria, num dado momento, Alencastro solta um “nós...” (referindo-se aos franceses) e depois se corrige. Entendo. Há um mito de que a França é a pátria coletiva dos sonhos. Mas não é. Ainda existem os franceses.
Sarkozy, assim como não chamou a população das banlieus de "", não atacou as conquistas sociais dos anos 60 e 70. Assim, tratá-lo como mero rancoroso é miopia. Apenas um exemplo: a conquista do direito à pílula contraceptiva é de 1966 ou 67, nada tendo a ver com o Maio de 1968. Sarkozy, no discurso de Bercy atacou determinada herança, inequívoca, de 68, qual seja: o rebaixamento da ordem e da autoridade como princípios, muito particularmente no ensino e na relação com o Estado.
Por fim, as greves operárias e os acordos de Grenelle não são produto da revolta estudantil, embora tenham se beneficiado de sua pressão. Os operários não só desconfiavam de comunistas, trostsquistas e estudantes, como logo abandonaram qualquer veleidade de aliança.
Tenho certeza que "as fofocas" ficarão no âmbito das "fofocas". O professor Alencastro não se dará à atitude depreciável de alugar seus brilhantes neurônios para responder verborréias de um "tupiniquim" desnorteado.
Maio de 68 representou um movimento com um verdadeiro apelo social. A eleição do tal Sarko sequer pode ser chamada de movimento, mas, antes, é mais uma prova de que política e sociedade são engrenagens que giram sem contato... cada um por si.
Oi Felipe,
queria tre pedir prá comentar os dois filmes recentes sobre 68, o do Bertolucci, que reduz tudo a um episódio de filosofia na alcova, e o "Amantes constantes" (esqueci o nome do cineasta), que começa com as barricadas e aborda a desilusão de um grupo de jovens que imaginou estar começando, ou recomeçando, a fazer a revolução na França. Rita.
Uma crítica boa exige certa classe, do contrário impressiona como parece carregada de ressentimento e inveja, como no caso de Azevedo. Abs
Angelitams, acuradíssima. Também acho detestável que alguém queira apagar os traços da história. Aliás, essa atitude dá boas pistas do lugar que essa pessoa ocupa. Acho que ao passo que a humanidade avança, as tensões sobre o melhor caminho pra superação do presente se tornam mais agudas. Seria o partido leninista? Seria a classe operária, portadora da verdade universal e particular, como queria Lukács?
Uma pergunta que não quer calar: quem é mesmo reinaldo azevedo???
Fora isso, qual o problema em afirmar que a vitória de Sarkozy é a revanche da esquerda? Há alguma mentira nisso? Pode ser espantoso para nós brasileiros, onde ninguém gosta de se dizer de direita...Ninguém deveria se surprender com alguém de direita se eleger e com uma plataforma de direita, não de um pretenso centrismo...Essa é certamente a maior lição da eleição de Sarkozy na França e certamente terá impacto em outros países europeus e talvez no Brasil, onde está cheio de gente contra o Bolsa Família,pois levaria a vagabundagem...Agora eles vão poder sair do armário...rs
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