quarta-feira, 25 de abril de 2007

O colapso de um intelectual orgânico

Delacroix, La Liberté guidant le peuple (detalhe),1830, Museu do Louvre© R.M.N./H. Lewandowski

Roberto Mangabeira Unger é um grande intelectual. Sua carreira em Harvard é excepcional. Ali, ele terá sido, salvo engano, um dos catedráticos mais jovens da melhor universidade do mundo. Sua obra portentosa, nem está toda traduzida em português, nem –, o que é mais lamentável –, foi avaliada na sua devida importância pelos universitários brasileiros.
Marcado pela militantismo republicano de seu ilustre avô contra a ditadura Vargas e, provavelmente, pelo militantismo armado de sua irmã contra a ditadura mais recente, Mangabeira envolveu-se no movimento pela redemocratisação do Brasil. Nada mais legítimo. Na época, alguns gaiatos, ironizando seu sotaque, diziam: "Mangabeira é o único brazilianist brasileiro!" Faço parte dos que torciam para que sua influência pesasse no país.
De Ulysses Guimarães, a José de Alencar, passando por Brizola e Ciro Gomes, ele habilitou-se como eminência parda de grandes e menos grandes políticos, passando por vários partidos. Apesar de tudo (ele poderia escrever um livro interessante sobre as conversas que condicionaram suas piruetas políticas partidárias), esta viração nunca chegou a comprometer seu estatuto de «intelectual orgânico» preocupado com a democracia e a modernização do Estado.
Agora, aproximou-se de Lula e ganhou um cargo ministerial.
Também legitimamente, os jornais começaram a citar seus ataques a Lula e, em particular, um artigo em que ele pedia o impedimento do presidente. Não me lembrava do texto e só registrei a frase repetida no noticiário: “o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional ». Hoje, o portal da
Agência Estado informa que Mangabeira retirou do seu sítio de Harvard, onde coloca todos os seus escritos em linha, o tal artigo, publicado na Folha de São Paulo em 15/11/2005 e agora reproduzido no dito portal.
A leitura do texto é surpreendente. Não é um destes artigos que a gente às vezes escreve às pressas, com uma ou outra frase mais destemperada. Trata-se de uma tomada de posição meditada, apurada, calcada no célebre manifesto de Zola sobre o « affaire Dreyfus », e sustentando de cima a baixo a tese do impedimento. Mais ainda, o artigo apropria-se do argumentário udenista e golpista com laivos de preconceito de classe : «Desde o primeiro dia de seu mandato o presidente desrespeitou as instituições republicanas…Afirmo que o presidente, avesso ao trabalho e ao estudo, desatento aos negócios do Estado, fugidio de tudo o que lhe traga dificuldade ou dissabor e orgulhoso de sua própria ignorância, mostrou-se inapto para o cargo sagrado que o povo brasileiro lhe confiou».
O fato de Mangabeira aceitar agora um cargo de ministro no atual governo é melancólico. Mas a retirada de seu texto de seu sítio de Harvard, é bem mais grave.
Roberto Mangabeira Unger continuará sendo um grande intelectual. Mas mostrou que é um pequeno homem.

18 comentários:

Anônimo disse...

Mangabeira condenou Lula com um texto golpista de viés udenista. Agora dá a entender que foi enganado pela mídia dominante.
O intelectual foi menos capaz do que o eleitorado brasileiro, que não se mostrou assim tão influenciável.
Mas o pior é a reputação moral de Mangabeira. Agora ninguém sabe ao certo qual é o nivel de oportunismo dele.
Não gostei nem um pouco de sua nomeação para o governo.

Anônimo disse...

rick: Professor, concordo em gênero e grau. Quantas vezes discordei de você , mas isso faz parte do jogo. E quantas vezes não mudei ( ou mudamos ) de idéia. ..Como dizia o Mário Quintana, não é porque usamos casaco no inverno que teremos que ficar com ele no verão. Infelizmente, essas piruetas sem a devida explicação cheiram ( e muitas vezes são ) atos ilícitos. Felipe,ministro vem do minus. O ministro Mangabeira Unger,menos ainda,o secretário, se apequena.Volta e meia no meu blog e na minha vida, escrevo ou digo bobagens. Nunca retiro. Complemento ,me desculpo,corrijo-me.Que futuro podemos prever no qual se omite o passado? O texto publicado não é mais do autor. Pena que o professor tenha feito isso. Age como um Mephisto.

Anônimo disse...

Gostemos ou não disso, o fato é que a ditadura militar transformou o Brasil, ceifando lideranças importantes e até certo ponto qubrando a continuidade do processo político brasileiro. Quando veio a "redemocratização", o grande acordo neo-conservador iniciou a era da chanchada na política brasileira e a abertura econômica expôs os limites do desenvolvimentismo, em que mal ou bem todos haviam se criado. Da Aliança Democrática, passando por Sarney, Collor, Itamar, FHC e agora por Lula, o festival de abjurações, justificativas injustificáveis etc. etc. parece inesgotável. Bem, agora os ex-"liberais" que apoiaram e cresceram à sombra da ditadura se autodenominam "democratas" e há pouco o partido de Paulo Maluf era Partido Progressista. Sem falar no próprio PT... Tudo isso lembra um pouco o bando de fazendeiros anti-abolição da escravatura que bandearam para o Partido Republicano no ocaso do Império... Mas como anda dizendo mestre Chico de Oliveira, no capitalismo atual a política conta muito pouco e na periferia o que está acontecendo é uma disputa sanguinolenta pelo acesso aos fundos públicos. O povão vai viver de bolsa-família, que é a anti-política por excelência, ainda segundo o mesmo Chico.

Paulo Rafael disse...

redemocratização!

Na Prática disse...

Professor, acho que seu post está certo, concordo com tudo, mas devo dizer que ainda sinto certa pena do Unger não ter sido melhor aproveitado no debate brasileiro, e, contra todo o bom senso, ainda tenho uma pequena (bem pequena) esperança de que sua passagem pelo governo injete uma ou outra boa idéia na administração. Enfim, embora o artigo sobre o Lula tenha sido realmente de uma burrice atroz, vamos ver se o cara se reabilita.

No mínimo, ainda acho que devíamos ler os livros do Unger, criticá-los, ver o que pode ser aproveitado.

Em tempo: o objetivo do Unger quando escreveu o artigo não era seduzir a direita brasileira, mas a lumpen-esquerda do PDT, que naquela época também pedia o impeachment, e sempre esteve de braços dados com Bornhausen na crítica ao governo Lula. E que, como era óbvio que aconteceria, também aderiu ao governo em troca de um cargo.

Anônimo disse...

prof.:

o melhor jornalismo brasileiro, hoje, é feito na internet por mino carta, paulo henrique amorim e luis nassif, e pela revista carta capital. todos, exceto nassif, são unânimes em criticar a indicação de mangabeira unger para o ministério lula devido as ligações do professor com o banqueiro daniel dantas, figura que dispensa comentários. na sua opinião, e dentro do mais amplo espírito republicano, este aspecto da vida privada de mangabeira unger não o desabona para o desempenho de um cargo público? hoje ele diz que mudou de opinião e vai renegar o que escreveu (isso não te lembra alguém?). no futuro, será que mangabeira unger não muda novamente de opinião e renega suas opiniões atuais, levando para o amigo dantas informações que, nas mãos do banqueiro, serão um desastre para o país? isto faz parte do risco inerente ao regime democrático? entre os atributos necessários à ocupação de um cargo publico não está a probidade? as ligações com dantas não tirariam do professor unger essa qualidade? o sr. pode alegar que o banqueiro nunca foi condenado pela justiça. eu responderia que 'ainda' não foi. aqui, porque nossa justiça é o que todos conhecemos. mesmo assim, na audiência ontem do processo contra paulo henrique amorim, dantas não foi mas mandou seis advogados para representá-lo. seis! o que mostra um exagero na preocupação em defender sua alegada inocência. registro também que o processo que o citti move contra ele em nova york está, digamos, pela bola cinco. e o banco está uns vinte pontos na frente. enfim, não se trata de preconceito contra dantas ou unger. queria apenas saber sua opinião, neste caso, até onde o público não se mistura com o privado, em prejuízo do brasil.

forte abraço
carlos

Anônimo disse...

um primor...

excelente.

gustavo.

Paulo Werneck disse...

Infelizmente, Lula convidou, Unger aceitou, o Brasil quer mudar, mas não mudou.
Uma coisa é mudar de idéia. Arrepender-se. Pedir desculpas. Mudar de caminho. Errar é humano, permanecer no erro, burrice.
Outra é não mudar de idéia, simplesmente abandoná-la, para ganhar um cargo.
Lastimável.

Anônimo disse...

Embora eu seja um apoiador do governo Lula, a verdade é que eu não gosto do estilo do presidente. Enxergo na trajetória dele elogios demais à ignorância. No entanto, eventos como esse dão o que pensar: o presidente com esse estilo conseguiu cooptar um dos maiores intelectuais brasileiros. E ele tem um tipo de relação com o que pensam as pessoas comuns que é quase sobrenatural. Vai ver que os ignorantes somos nós (e não estou sendo irônico).

Anônimo disse...

É como diz o Millôr sobre o Brasil:"não é o país que é grande,os homens é que são pequenos".

Fernando Borges de Moraes disse...

e a secretaria? "De ações de ações a longo prazo". O que é isso?

Márcia W. disse...

Realmente essa história está começando de forma péssima. Apagar um artigo é MUITO mais grave do que dizer "esqueçam o que escrevi". Também queria sber que ações a longo prazo são essas vindo de quem apaga seus próprios rastros....

Anônimo disse...

Mangabeira é funcionário de Daniel Dantas e foi capa-preta de Ciro Gomes, o político mais farsante de toda a história republicana do Brasil - machista, boçal e totalitário. Esses dois conseguiram - e conseguem - enganar muita gente até hoje.

Anônimo disse...

prof.

não sei se este é o local correto para sugerir artigos, mas vamos lá. relendo o muito interessante paris 1968 - as barricadas do desejo, publicado pela professora olgária matos em 1981, na saudosa coleção primeiros passos, da editora brasiliense, achei que o assunto merecia ser relembrado e que o sr. é uma das pessoas com boa capacidade para fazê-lo. um gancho legal é dado pela própria olgária na página 97, perto da conclusão do livrinho: "passados 12 anos, ainda não se pôde escrever uma história do [maio de] 68 [francês]". e hoje, passados 39 anos do levante estudantil (chegou a ser também operário?), é possível escrever uma história dele? do que representou, se deixou heranças, mudou mesmo o mundo, para melhor, para pior? enfim, dá para falar muito sobre o chienlit (sic). a propósito: e se foi mesmo um (uma?) chienlit como queria de gaulle? como jornalista adora ganchos, o sr. poderia lembrar a seus amigos do aliás que estamos entrando em maio, quando o movimento faz aniversário. portanto, talvez não exista data melhor para fazer um balanço dele que neste mês. que acha?

abraço
carlos

Anônimo disse...

Cher Professor,
O cara sempre foi e é um oportunista. Aproximou-se de Brizola e de Ciro porque foram, em aglgum momento, candidatos fortes e nao ele tinha espaço no PT, que sempre criticou.
As pessoas nao se lembram que no final da campanha presidencial - COM A ELEICAO GANHA - ele deu o seu apoio a Lula. Foi lamentavel, pois me lembrei da coluna dele na Folha.
é duro concordar com Garotinho, mas Mangabeira é da turma da boquinha...

Anônimo disse...

prof.:

quando sugeri um artigo sobre o maio de 68 francês não havia lido seu ótimo texto no aliás sobre as eleições francesas. parênteses: gianni carta, na cartacapital desta semana, também faz uma análise interessante sobre o pleito francês, ressaltando a 'direitização' do país. fecha parênteses. após a leitura de seu artigo, estou ainda mais convencido da oportunidade de um balanço sobre a revolta estudantil(/operária?). e acredito, ainda mais, que o sr. faria um belo trabalho. pense nisso. prometo não insistir mais.

abraço
carlos

Anônimo disse...

Cher Professor,
é com pesar que lhe informo que nao mais acessarei o seu blog. Morei em Paris, conheço o seu trabalho e suas colunas alem de serem interessantes, remetiam-me ao meu sejour parisiense. Mas nao posso aceitar a sua censura em relaçao ao comentario que fiz sobre o Mangabeira: utilizei a expressão "oportunista" para definir o comportamento politico do Mangabeira. é uma pena, mas o senhor fez uma escolha!

luiz felipe de alencastro disse...

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