terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Vinhos e globalização



Na época dos Descobrimentos, o fabrico do pão e do vinho eram traços essenciais da cultura européia e marcavam a diferença entre os europeus e os povos “bárbaros” do ultramar.
Na sua Crônica de Guiné (1455), Gomes Eanes de Zurara narra os contatos portugueses com os negros africanos, na primeira expedição européia que chegou à embocadura do rio Senegal, em 1455. “Viviam em perdição das almas e dos corpos...: das almas, enquanto eram pagãs, sem claridade e sem lume de Santa Fé; e dos corpos, por viverem assim como bestas, sem alguma ordenança de criaturas razoáveis, que eles não sabiam o que era pão nem vinho, nem cobertura de pano, nem alojamento de casa”.
Padrão cultural do Ocidente desde o império romano, o pão e o vinho se tornaram elementos centrais da missa e do culto cristão. Daí sua necessária usança nas colônias ultramarinas. Por isso, os cronistas seiscentistas e setecentista que faziam propaganda do Brasil (Gandavo, frei Vicente Salvador), salientavam que o trigo e eventualmente a vinha, podiam ser plantados na capitania de São Vicente.
Depois da Independência, a idéia de civilização passava pela introdução de imigrantes europeus e da agricultura européia, e notadamente da vinha e do trigo. Mandioca e cachaça apareceram, durante muito tempo, como os símbolos do "atraso" no Brasil. Seguiu-se o desenvolvimento da cultura do vinho no Rio Grande do Sul e noutras partes do país.
Agora, a imprensa brasileira
saúda o registro na União Européia (UE) da primeira denominação de vinho genuinamente brasileira, a “Vale dos Vinhedos”. Correspondendo aos vinhos produzidos na região de Bento Gonçalves (RS), esta marca passará a ter exclusividade e proteção legal no mercado europeu.
Completou-se o ciclo histórico? A Europa civilizou o Brasil, e agora o Brasil civiliza a Europa, mandando de volta vinhos ítalos-brasileiros, gaúchos, de tirar o chapéu?
Não é bem assim.
Há uma dura concorrência no mercado mundial de vinhos, opondo, de um lado, a França e a UE, e de outro lado, os países produtores de outros continentes (EUA, Austrália, África do Sul, Chile, Argentina, Brasil, etc.). A UE adota a doutrina francesa que define a qualidade do vinho sobretudo pelas característica do solo, do clima, etc. Daí a estratégia de dar toda proteção legal aos nomes dos vinhedos franceses e europeus já consagrados no mercado. Ao inverso, os produtores de outros continentes dão ênfase à qualidade das cepas das uvas.
Por isso, a UE facilita o registro de vinhos estrangeiros com denominações meio exóticas (para os europeus), como “Vale dos Vinhedos”.
Em contrapartida, os europeus exigem que nenhum vinho brasileiro pretenda ser do tipo "bordeaux" ou se chame “Chablis”, “Pomerol”, “Pommard” e outros nomes mágicos gozando de um prestígio incontestável no mercado brasileiro e mundial.

Um comentário:

Anônimo disse...

No fundo, tudo contribui para reforçar o velho protecionismo agricola francês.