Os 134 milhoes de eleitores que vão às urnas consolidam o período mais longo de estabilidade institucional e econômica que o país conheceu. Se tiverem um parente que esteja perto dos 80 anos poderão conferir as atribulações políticas das últimas décadas. Desde que começou a votar, há mais de 50 anos, este cidadão só viu tres presidentes eleitos pelo voto direto chegarem ao fim de seu mandato e transmitirem o cargo a outro presidente eleito: Dutra, em 1951, JK em 1961 e FHC em 2003. No meio tempo, houve a reeleição que permitiu a FHC e Lula engatarem um segundo mandato. Agora o tal parente verá, muito provavelmente, Dilma assumir a presidência, como pensam 74% dos eleitores, segundo a pesquisa Ibope da última quarta-feira. Uma mulher na presidência, com um mesmo partido no poder por três mandatos seguidos. O octagenário ouvirá pessoas evocarem a hipótese de Lula voltar em 2014 para engrenar mais dois mandatos. E poderá perguntar: Haverá problemas? O horizonte nacional vai de novo ficar escuro ?
Dentre as mudanças introduzidas no quadro constitucional nas últimas décadas, nenhuma teve tantas consequencias como a reeleição. Uma interpretação otimista verá na reeleição o instrumento que permitiu FHC e Lula instituirem 16 anos de crescimento e distribuição de renda em regime democrático. Uma interpretação pessimista argumentará que a reeleição possibilitará o « projeto de poder » do PT. De fato, as acusações de “aparelhamento”, de partido único e da mexicanização do Brasil surgem na perspectiva da eleição de Dilma e de uma hegemonia do PT, abrindo a porta para o retorno de Lula a presidência em 2014 e para a perenização do « Lulismo ».
Paradoxalmente, foram as reformas impulsionadas pelo PSDB em proveito próprio que geraram os instrumentos que favoreceram Lula. A mexeção constitucional é consubstancial ao PSDB, fundado por lideranças pemedebistas que sairam do partido de Ulysses Guimarães quando Quércia levou a melhor nas disputas internas partidárias. Daí nasceu o projeto do referendo parlementarista que o PSDB inseriu na Constituição graças à aliança com uma minifacção monarquista. Vencendo o presidencialismo no plebiscito de 1993, com Lula liderando as pesquisas para a presidencial de 1994, o PSDB paulista promoveu a mudança que reduziu o mandato do presidente de cinco para quatro anos. Eleito em 1994, FHC e seus correligionários alteraram de novo a regra do jogo, votando, em meio às acusações de corrupção de deputados, a emenda que autorizou a reeleição em 1998. Derrotados em 2002 e 2006, os tucanos evocam periodicamente, quando estão em desvantagem eleitoral, o fim do instituto da reeleição. Desse modo, Serra defendeu em abril deste o final da reeleição, prometendo submeter o tema ao Congresso caso venha ser eleito à presidência.
Ora, o Lulismo corresponde à preeminência eleitoral do PT e ao carisma de Lula, mas também ao fracasso da oposição em assumir o seu papel, com o DEM rolando ladeira abaixo e o PSDB esquivando o confronto de idéias e projetos. Situação retratada de maneira patética na propaganda de Serra que colocou a foto de Lula do lado do candidato tucano. O fiasco de Serra é ainda ilustrado por seu status de campeão nos índices de rejeição. Assim, conforme as sondagens, Serra registra a maior rejeição entre os candidatos. Subindo de uma média de 25% em julho para uma média de 31% em setembro (Dilma passou de 19% a 22% no mesmo período). O Datafolha (sondagem de 10/09) mostrou também que Serra perde largamente para Dilma no estado São de Paulo, após 14 anos de governo tucano na esfera estadual.
Caso a vitória de Dilma venha a se concretizar, Serra pode prestar um grande serviço ao país e à sua biografia : preparar a transição de lideranças e a renovação da plataforma política do PSDB. Chega de casuísmos constitucionais.
P.S. – Este é o texto de um artigo que publiquei em O Globo no domingo da eleição, 03/10/2010. O resultado do primeiro turno desmentiu as sondagens e um ponto que retomei aqui: no final das contas, Serra derrotou Dilma no estado de SP (gostaria, alias, de ler uma análise aprofundada sobre este importante avanço de Serra). Mas a idéia geral do artigo, - o constitucionalismo dos tucanos e de Serra é sempre casuísta – recebeu mais uma confirmação. Segundo a Folha de S. Paulo de 7/10, o acordo entre Serra e Aécio passa por uma reforma constitucional que elimine o mecanismo da reeleição : o grau de engajamento de Aécio na campanha de Serra no segundo turno « dependerá diretamente de um acordo que delimite os horizontes para 2014 ou 2015. Ou Serra se compromete a, caso vitorioso, não disputar a reeleição, ou elimina o mecanismo e abre espaço para mandatos de cinco anos ».
5 comentários:
Olá
Vale a pena olhar o mapa das eleições. Quem vota em Serra? Veja os estados. Seria surpreendente que os locais em que Serra saiu vitorioso são os mesmos em que as elites conservadoras são mais fortes e modernizadas?
Entre outros elementos desta eleição http://ht.ly/2VJVG
um abraço
Giséle
Resta uma dúvida: quem confia na palavra do Serra? O Aécio? Acho pouco provável. Só se for na base do brasileiríssimo "confiar desconfiando".
Serra não respeita sua palavra nem quando assina embaixo, como ao se comprometer em cumprir integralmente o mandato de prefeito.
Com algum atraso, mas assim mesmo fica a dúvida: apesar do seu caráter oligárquico, censitário e do famoso "voto de cabresto", o período da República Velha, mesmo desconsiderando o período turbulento Deodoro/Floriano, não constituiu um período mais longo de estabilidade política e institucional em comparação com o Brasil pós-ditadura?
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