domingo, 13 de maio de 2007

O debate sobre o aborto

Estou em Salamanca dando um curso na Universidade, no quadro do Centro de Estudios Brasileños. Leio todos os dias El Pais que traz uma boa cobertura do debate sobre o aborto e a visita do papa no Brasil.
Na escada da belíssima biblioteca da Universidade existem frisos do início do século XVI, representando cenas que conduzem, pelo estudo e a sabedoria, até o nível da contemplação. Malgrado o avanço da época, os homens do Renascimento não concebiam as mulheres como iguais, como seres humanos tão fortes e inteligentes como eles.

É o que ilustra o friso acima. No lado esquerdo, a mulher está sobre o homem e indica a aranha, símbolo da esterilidade e de coisas ruins. Do lado direito, o homem senta-se em cima da mulher e aponta para a abelha, que evoca a fertilidade e as coisas boas. Ou seja, numa sociedade bem composta quem manda é o homem.
Este é ainda fundamento da doutrina que criminaliza o aborto, provocando todos os anos centenas de mortes de mulheres que procuram interromper clandestinamente a gravidez indesejada, e levando outras 220.000 às urgências dos hospitais brasileiros para tratar lesões causadas por intervenções feitas em condições precárias. As estatísticas oficiais mostram que 1/3 das mortes maternas são causadas pelo aborto.
Lula foi o primeiro presidente a ressaltar -, durante a visita do papa -, o postulado republicano que estabelece a laicidade do Estado brasileiro. Foi um feito muito importante que teve pouca repercussão no Brasil. Perdeu-se uma boa oportunidade de discutir a questão da laicidade (será que um dia teremos de sair nas ruas para defender o fundamento laico do Estado, como fazem hoje corajosamente os turcos ?). Contudo, Lula
recuou no debate sobre o aborto, esvaziando o plebiscito sobre o assunto no Congresso, como informa Kennedy Alencar no Folhaonline.
Só falta agora começar a fritura do ministro Temporão, que teve a coragem e o civismo de colocar esta questão dramática em debate.

O recuo do governo mostra que a sociedade brasileira permanece refém do conservantismo católico impulsionado por Bento XVI e do fundamentalismo evangélico.

7 comentários:

angel disse...

Como professora, fico assustadacom o posicionamento face o aborto entre os mais jovens, são talvez mais conservadores que os pais. Abs

Vera Pereira disse...

Não me parece ser um recuo pra valer; antes um recuo estratégico, e o ministro Temporão foi muito claro na definição de sua função de zelar pela saúde pública num Estado laico. Não entendeu quem não quis.

Anônimo disse...

Salve, professor.

O Estado é laico, mas o que esperar de um país predominantemente católico?
São incapazes inclusive de estabelecer um diálogo, sob pena de serem excomungados, ui...

Anônimo disse...

Muito bom seu artigo, Felipe. Também gostei do Lula ter enfrentado o Papa na questão do estado laico. Pensei que ele fosse afinar.
Mas concordo com o recuo na questão do plebiscito sobre o aborto, pelo menos agora, com essa histeria fundamentalista que M. Ratzinguer tentou implantar por aqui. A descriminalização iria perder feio! Acho que a sociedade brasileira ainda precisa discutir muuuuito essa questão, para que um plebiscito não seja totalmente contaminado por esses que se dizem "defensores da vida" quando, na verdade, não estão nem aí para a vida - para eles, tanto faz o que vai acontecer com as crianças indesejadas, ou de mães miseráveis.
A "defesa da vida" católica, prá mim, é um disfarce para o que eles realmente pensam: que a gravidez é o castigo, ou o fardo, que as mulheres têm que aceitar se quiserem ter prazer sexual.

Anônimo disse...

Ôpa, esqueci de assinar o comentário acima, sobre o plebiscito e a histeria anti-descriminalização do aborto. Assino agora: Rita.

Márcia W. disse...

Professor,
gostei do Lula tentar relembrar ao Ratzinger et caterva sobre a laicidade do Estado brasileiro
Concordei com a Rita ex-anônima, acho que agora não seria o momento para o diálogo. E Carlinhos, a Holanda também está revendo a questão do aborto. No novo governo, a União Cristã, cuja eloquente sigla em holandês é CU, faz parte da coalizão e um dos pontos do programa do governo é tentar convencer as mulheres que é melhor parir e dar o filho para adoção do que abortar. E as manifestações de repúdio a essa propostas foram mínimas.

Fernando Borges de Moraes disse...

Também me admirei do Lula e da pouca repercussão de sua afirmação, o que talvez reflita o conservadorismo da grande mídia. Como disse o Cony, católico é quem pode, não quem quer e seus dogmas são problemas deles. O que é revoltante é que preceitos medievais sirvam para acorvardar os políticos e agentes públicos em geral e condenar mulheres (pobres) à morte.
Sds.