sexta-feira, 24 de novembro de 2006

King Kong contra Svetlovidov

No final do ano passado, às vésperas da estréia do filme King Kong de Peter Jackson em Paris, assisti, no Théâtre Nationale de la Colline, a duas peças de Tchekhov : O Canto do Cisne e Platonov. Pouco encenado até então, O Canto do Cisne (1886) consiste num monólogo de um personagem, Svetlovidov, representando um velho ator que fala durante 25 minutos num palco mergulhado no escuro. Beirando mil lugares, o teatro estava lotado. Do lugar onde eu estava sentado, deu para ver, num canto, a luz do ecrã de um celular se acender sem som : alguém estava olhando as horas ou lendo um torpedo. Mas foi só. Nenhum celular tocou, ninguém falou alto na imensa sala que estava um breu. Havia bastante jovens no teatro. Mas muito menos do que no cinema onde fui com meu filho ver King Kong, alguns dias mais tarde. Não houve celulares tocando, mas muítissimos se acenderam, fazendo fotos, recebendo ou enviando torpedos durante o filme, a exemplo do que deve ter acontecido pelo mundo afora nas milhares de salas programando King Kong. A zoeira do som e das luzes, o ajuntamento de monstros em imagens digitalizadas urrando e rolando tela abaixo e o jeito da platéia ficar ligadona, transformavam o espetáculo numa espécie de enorme vídeo-game. Em algo que não era mais cinema.
Nos dias seguintes à estréia, uma catadupa de produtos derivados – jogos eletrônicos para vários suportes, DVDs, bonecos de todo tipo – invadiu as lojas e o internet.
Confirmava-se a análise que Martin Scorsese fizera, algumas semanas antes, no seu discurso de inauguração da nova Cinemateca de Paris (ver link). « Os estúdios de cinema realizam 70% de seus lucros com os DVDs, o payper-view e outros derivados anteriormente considerados como secundários. A indústria dos jogos [eletrônicos] explodiu e a projeção nas salas dos filmes de 35mm tornou-se apenas uma etapa entre outras ».

5 comentários:

Anônimo disse...

Não tem uma versão do discurso do Scorsese em português, ou ao menos em inglês?

Anônimo disse...

Olá, conheci seu blog por intermédio do Alon Feuerwerker.

Concordo com você a respeito de que as salas de cinema hoje são mais uma plataforma de lançamentos. Mas, à parte isso, quero dizer que acho King Kong um filme excelente, e não se limita às pirotecnicas visuais das batalhas com monstros. Eu diria que essa parte é uma "piscadela" que Peter Jackson deu às platéias adolescentes, mas o filme é bem mais do que isso.

E acrescento que, para ver filmes de ação, prefiro muito mais uma sala com adolescentes fazendo algazarra, é muito mais divertido.

Anônimo disse...

Marcus, voce parece representar uma nova geracao de cinephilo. Aquela habituada aos aplausos quando o luke skywalker ganha a batalha final etc... mas acho que no fundo, a sua opiniao vai no sentido da do autor. O espetaulo em volta do filme ultrapassa o filme em si. Como voce diz, a "piscadela" do jackson critica essa superficialidade, mas e dela que depende a venda do seu filme. Isso vale para michael moore, borat e george clooney.No fundo, a piscadela sera sempre condicionada pela imagem do filme divulgada pelos meios de comunicacao.

Anônimo disse...

Bem-vindo à blogosfera, Luiz Felipe! A propósito de seu texto, vale acrescentar que a venda de pipoca corresponde a 25% do faturamento nos cinemas de shopping em São Paulo. O filme vai ficando acessório...
Marcelo Coelho

Anônimo disse...

"indústria dos jogos [eletrônicos] explodiu e a projeção nas salas dos filmes de 35mm tornou-se apenas uma etapa entre outras "
Isto é ruim? Será mesmo o filme um acessório? Um produto vende pois está apoiado em uma, idéia, mensagem, ou apenas na imagem,e numa sociedade de consumo é isto que se espera, quem gera lucro também gera emprego,não é mesmo?
Adoraria uma sala de cinema em que a pipoca fosse proibida, mas acho antipático proibir, além do mais naõ poderia ir com o meu querido que adora....Maria Antonia